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Mostrando postagens de fevereiro, 2011

areia no tênis

Uma vez, em vez de um beijo na boca, ganhei uma mordida no queixo. Estava tudo tão certinho, toda a cena perfeita, há meses o beijo era uma ameaça constante, uma certeza comparável à morte. Os amigos já comentavam, plantamos expectativas, despedimos a discrição sem aviso prévio. Não cochichávamos mais ou ficávamos afastados na multidão. Até as pedras das calçadas estavam na torcida. Nossos olhares não se cruzavam mais, eram tatuados um no outro. Era outono, início de outono. Desses que já mandam as folhas caírem em chuva nas primeiras semanas. Um outono desses que fecha o verão, que autoriza a temperatura a baixar, a pele desbotar. Ainda trazíamos as mochilas do verão, o gosto da água do mar, a ardência nas narinas. Dentro do meu tênis, areia. A agenda voltava a ter lista de livros e horários de aulas, junto com anotações em código, letras de música e desenhos. Nunca fui uma adolescente típica. Eu sequer brigava com os pais para sair batendo portas e pés pela casa. Eu não insisti na

faz-se mundo

Procura-se alguém disposto a fazer mundo. Porque das pessoas que fazem tempestades em copo d’água, eu já estou farta. Por favor, apaguem esse holofote, desliguem a fumaça, mandem embora a platéia. Não quero esse picadeiro por aqui. Pelo menos não pra falar de amor. Não para sentir paixão. Andei aprendendo que sentimento é confissão e que não se gosta sem antes ajoelhar para assinar na linha pontilhada a autoria de pelo menos um crime. Que por mais que alguma sedução seja necessária, a cara lavada das manhãs de domingo é o que faz um par seguir. Não é o amor cru, não é o ciúme ou a falta dele, não é o bilhete de eu te amo postado embaixo do travesseiro ou as rosas mandadas sem motivos, não é o romantismo, nem as noites de sexo ou os jantares à luz de velas, beijos de cinema, despedidas de novela no portão de casa. Isso alimenta, é o que engorda. E não é a não entrega o que preserva ou protege ninguém de chorar na companhia dos azulejos do banheiro. A gente toma paulada na cabeça e é

final alternativo

Da série dialoguinhos. **** - Isso é um fora? - Não era pra ser. - Mas o que acontece agora? Tu sai pela porta, pega a bolsa, o lenço e vai embora. - É... - Mesmo assim não é um fora? - Se me deixares sair sem explicar todos os porquês que tu queres perguntar, não vai ser um fora. Vai ser um tchau. - Se tu não vais voltar, vai ser um adeus. - Olha, chama do jeito que mais te agrada, eu prefiro só sair pela porta. - E depois? - Depois o quê? - O que acontece? - O mesmo de sempre... a noite vira dia, o dia vira noite, que vai virar dia de novo... - Jamais vou te entender. - Jamais vou me explicar. - Ainda assim, eu gosto do teu jeito. - Ótimo. Sem mágoas? - Não. - Certo, com mágoas, então. - Ainda não sei, vou descobrir amanhã, quando acordar. - Muito bem. - Para onde tu vais agora. - Para o elevador. - E depois? - Para baixo. É onde fica a portaria, não? - Sim, mas do jeito que tu és, não me surpreenderia ir at

porta dos desesperados

Viver é um verbo dinâmico. E a vida é uma boa desculpa. Para aquilo que não se explica, a vida, ponto. Explicado está. Ainda assim, raros são os que vivem, porque isso implica em escolhas, mais do que é confortável. Viver ultrapassa abrir o olho pela manhã e enfrentar um dia. Não se resume a ter nascido para existir no intervalo até a morte. Isso é banal. Isso é fácil. Qualquer um faz. Acredito que a cada dois passos surgem diversas portas na frente do meu nariz. É um corredor sem fim de portas de todos os tamanhos, de diversas cores, algumas entreabertas, outras com fechaduras, cadeados, maçanetas douradas, trancas de madeira. Eu me preocupo com as que têm olho mágico, porque não consigo ver o lado de lá antes de empurrar e ouvir ranger as dobradiças. Apenas a porta me vê, estuda as minhas possibilidades, analisa a minha surpresa. A única vantagem que tenho é a escolha. A porta não pode me escolher, mas me conhece. Eu, sobre ela, apenas suponho. Justamente o que me intriga são e

tecle o que você quiser

Quando ligo pra alguém que não me atende, geralmente mando mensagem depois. Se não é urgente, espero retorno. Nunca deixo mensagem na secretária. Detesto deixar a minha voz gravada. A ideia de um recado meu viver aprisionado em alguma caixa postal de celular me dá claustrofobia vocal. O que eu falo é pra ser levado pelos ares, diferente do que escrevo, o que me faz pensar que eu deveria ter mais cuidado com o que escrevo do que com aquilo que eu falo. Mas não tenho. Ultimamente não ando tendo cuidado com nada. Os descuidos têm invadido meus dias, eu nem me importo, tropeço. Não gosto das secretárias eletrônicas de celular. Odeio apertar um para ouvir, dois para não ouvir, três para apagar, quatro para saber de onde veio, cinco para saber pra onde vai, seis para chamar a sua mãe, sete para repetir tudo. Ignoro a cartinha com sorriso no canto superior direito do visor. Dezessete mensagens. Foi questão de vida ou morte, precisei acessar o serviço. Quase ameaçada, entre a cruz e a