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Mostrando postagens de março, 2011

mudices

As nossas conversas são boas e as nossas mudices são melhores. Entendo que as nossas mudices são conversas sem palavras. Entendo que eu tenho conversado muito assim, mais ouvindo. É um hábito que tenho desde criança, absorvo a alma lendo os gestos, decifrando códigos, montando as palavras nas frases como um quebra cabeça de intenções. Por mais que eu fale, que eu goste de escrever, meu interesse é ouvir. Não desperdiço um bom estranho. Nem um conhecido. Alguns amigos me conhecem há tanto tempo que me confundo nas lembranças, nossas histórias fazem uma trama, apesar dos longos períodos distantes. Gosto de quando sentamos no sofá olhando pro mesmo nada da parede, depois recebo um agrado com o dedo indicador escorregando pelo meu nariz. É minha deixa pra sorrir sem mostrar os dentes, iniciando a pauta da noite. Aguardo pela análise detalhada, pelo de deboche que acaba, invariavelmente, em traçar um perfil psicológico da situação. Está feita a minha análise. Nunca me zanguei por isso, a

presente sem embrulho

E eu jurava que ia levar um pito daqueles. Fui previamente advertida por amigos terroristas “leva outra muda de roupa pro almoço ou toalha”. Fui crente da merecida mijada. Preparei todas as caras de piedade. Sem exageros. Entrei no restaurante como quem caminha na corda bamba e pior, do alto avistei o chão, sem rede protetora. Sentenciei a queda. Antevi um ponto ruivo estatelado: eu. E o que eu mais espero sem acreditar que possa acontecer, aconteceu, a surpresa. O que eu tinha na minha frente era uma pessoa tão sincera quanto eu despejando informações que me deixavam sem a menor vontade de interromper. Limite-se a respirar, pensei, porque até isso podia parar naquela hora. Minha impressão é que o mundo em volta tinha desligado. Os garçons paralisados, as pessoas mudas, nem os talheres ousavam cair. A vontade era de saber mais. Eu sempre digo que as pessoas não têm manual de instruções e acho isso muito bom, mas isso não é motivo pra que não exista sinceridade. Fui apresentada a um

desculpa

“Amar é jamais ter que pedir perdão”. Já repeti essa frase dezenas de vezes, ouvi algumas boas centenas. Conheci ainda pequena as palavras eternizadas no filme Love Story, foram proferidas pela atriz Ali MacGraw. Obviamente, na época, não fez muito sentido, mas, carregada de lirismo, me encantou. Eu achava mais que bonita, era parte de um universo que eu não dominava: amar e pedir perdão. Nas minhas infantis concepções de amor, perfeita. Nas minhas vagas concepções de perdão, adequada. Adaptava na justificativa de algumas travessuras. Descobri que John Lennon contrapôs a frase dizendo que “amar é pedir desculpas de quinze em quinze minutos”. Não sei o que meu beatle favorito, Ringo, diria sobre isso. Eu digo que me parece mais apropriado pedir desculpas ao que se gosta e muito mais a quem se gosta. Talvez digno seja pedir desculpas por gostar. Hoje vou além de John, discordo de cada letra do filme Love Story. Pedir perdão é o que se faz antes de tudo. Pedir perdão é o que se faz

rede de carnaval

O céu passou a tarde inteira em um azul escancarado. Não teve vergonha de abolir as nuvens, não deixou que surgissem riscas brancas de giz por nenhum grau do horizonte. Desenhou o infinito em tons de luminosidade até chegar a noite. Eu, como boa gulosa de felicidade, aproveitei o clima para ver no rosto de uns amores sorrisos. Fiz da rede um universo modesto, onde eu pudesse brincar de Deus, determinando as espreguiçadas e os cochilos entre as viradas de páginas do livro. Busquei com a ponta dos dedos os embalos dos impulsos na parede. Analisei meu pé descalço há quase doze horas. Agora à noite, a lua é miúda, discreta entre umas porções de estrelas, organizadas em pequenos grupos, que me parecem tão íntimas. Quase me chamam pelo apelido. Fofocam sobre mim, trocam confidências sobre os pedidos que eu faço, sobre as coisas que eu conto. Apenas não duvidam porque testemunham. Acabei de passar o céu em revista. O pelotão de estrelas também não permitiu as nuvens. Sim, fui procurar por