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Mostrando postagens de junho, 2011

free hugs

Num dia de verão, com um grupo grande de amigos na praia, um deles levantou do nosso acampamento de areia e saiu caminhando pela areia. Foi andando por aquele limite onde a espuma cochicha com a areia. Voltou quase duas horas depois. Perguntei onde ele tinha ido, respondeu que foi caminhar para conversar com a vida. Encarei a resposta como poesia feita na hora. Frase de efeito sem querer. Depois, olhando melhor pra ele, achei que voltou melhor do que saiu. Fiquei curiosa pelo assunto entre a vida e ele. Queria saber se fez perguntas, se ela respondeu ou se os assuntos apenas fluiram sem pauta, lançados no ar, como as pipas ao vento daquelas tardes de verão. Apoderei-me do ato. Resolvi que também posso conversar com a vida. Apenas combinei de não exigir respostas. Nem poderia. Certas perguntas eu faço para que não sejam respondidas. Pergunto em voz alta para afirmar a dúvida. A interrogação tem entonação convicta. Tenho dias de faladeira. Deixo a vida tonta de me ouvir. Mergulh

cuidado, ele me cuida

Tempo com o Eduardo nunca é gasto. É investimento. Não perco nada com ele. Ele soma e me multiplica em tudo. As tarefas exigem mais mãos. Alcanço o copo de água com uma, seguro ele no banco com outra, ainda mexo a comida na panela, pingo o detergente na esponja porque ele resolveu ajudar lavando a louça enquanto preparo a janta. Sem falar no fôlego, mal inspiro entre uma dúvida e outra. Os porquês que ele não tem vontade de saber, inventa, é especialista em descobrir assunto onde não há. Nunca me ensinaram a ser mãe. Jamais me disseram o que eu devia ou não fazer com um filho. Mas aprendi com Eduardo que os pais devem fazer o favor de não atrapalhar. Além de dar educação e torná-lo consciente das responsabilidades. Não posso sufocar meu filho com as minhas expectativas ou meus conceitos de certo e errado. Mas devo sempre ensinar que ele tem escolhas. Que as escolhas exigem responsabilidades. Não posso escolher por ele, os pais têm mania de achar que são onipresentes. Mesmo

óculos para ver encrenca

Se eu tivesse que pedir algum conselho amoroso, jamais pediria pra mim. Opto com muita frequencia pelos riscos, por avançar os limites do que apenas parece ser. Prefiro testar, não sei, sou da opinião que é válido o que faz o coração bater ou parar. Mais parar do que bater. Aliás, sou a favor do que consegue parar tudo. Ponteiros do relógio paralíticos, pessoas brincando de estátua, paisagem pintada em escala de cinza, nada mais existe além de um número: dois. Olhando bem, um. Mas são dois. Dois, inteiros, completos, únicos no mundo que tiveram a insensata felicidade de se encontrar – ultimamente ando reparando na felicidade, ela é insensata, outra hora eu explico o porquê, preciso falar sobre conselhos e óculos. Sem entrar em detalhes sobre os personagens da história, peço licença a toda a literatura de qualidade para iniciar o relato da forma mais clichê que consigo: Noite dessas um amigo me procurou. Queria conselho amoroso. Estava sentado em um muro, pra lá namoro, pra cá, a sol

amiga saudade

AUSÊNCIA Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada,  aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade Saudade é o tipo de coisa que não se tem como fugir. A gente tranca a porta, ela pula a janela. A gente fecha a janela, ela atravessa a parede ou entra pela chaminé. Presença ilustre de festa que não foi convidada. Saudade é sentimento que acontece. É o que enche a taça do vinho que acabou. Saudade é difícil de definir, complicada de explicar. É o tipo de coisa que cada um sente do seu jeito, não se pode condenar. Discordo quando leio que a saudade está relacionada com melancolia, nostalgia e solidão, apesar de haver uma explicação para isso. A palavra é derivada do latim, solidate, soledade, solidão, junto com derivados da saú

simpatia no dia dos namorados

Eu adoro o dia dos namorados. Verdade. Posso não gostar das vitrines com overdose de coração, das floriculturas com balões que atropelam as pessoas nas calçadas, das propagandas bestas com diálogos previsíveis, das promoções de motéis, de restaurantes, de ferragens, de petshops. Mas gosto de toda a função do dia doze de junho. Eu entro no clima, fico mais romântica, me pego procurando rimas de primário pra dar bom dia. Atendo o telefone com voz melosa, cada frase soa a miado de gato esperando a tigela de leite. Acaricio os móveis da casa como quem faz cafuné no cabelo do namorado – e isso quando estou verificando se há pó na mobília. Canto Djavan tomando banho. Hoje pela manhã a manteiga do pão carimbou a beirada do prato com uma mancha que parecia um coração. Mostrei para a diarista: - Olha! - Arram, manteiga. Passou demais, vazou do pão. - Não, olha bem, é um coração. - Queres um guardanapo? Eu juro pelos meus botões que era um coração de manteiga, uma declaração de amor