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Mostrando postagens de novembro, 2010

carta ao tempo

Querido tempo, eu sei que a nossa relação é um pouco estranha, mas de um modo geral nos damos muito bem. Eu finjo que tu não passas, como faço com outros moços, tu finge que eu não existo Quando queres me provocar, aperta, me fazendo ter pressa. Eu implico com as tuas demoras, que juntam segundos em segundos, transformando em horas, quando preciso de tudo rapidinho. Eu sou impaciente, bato com a ponta dos dedos do mínimo ao indicador, várias vezes, sempre que tu me desapontas. Eu me irrito contigo quando eu peço pra parar e tu segues, quando eu te quero logo e tu estás calmo, quando preciso que sejas meu amigo e tu resolves ser meu carrasco. Tu levas quem não pode, traz quem não deves. Contrariar-me é teu esporte favorito. Eu costumo funcionar mais acelerada do que tu. Preciso de tudo pra ontem. Adoro premeditar o meu amanhã, enquanto tu insistes em ser religioso na tua pontualidade. Nunca entendi essa tua mania de só trazer amanhã quando hoje acaba, e a minha pressa? Nunca posso com

de volta

Apenas a despedida premeditada, inevitável - e que cumpre seu período de aviso prévio - permitirá termos a certeza de qual vai ser o último beijo, o último abraço e a última música. Dos fins que eu conheço, nenhum foi obediente. Faltou aquele que saiu exatamente como o planejado. Não tenho finais organizados. Eles são feitos de improviso. As minhas despedidas não tiveram tchau, nem a cena típica do adeus no porto, o aceno com o lenço branco emoldurado pelo sol se pondo, avermelhando o céu. Eu perdi dentro de mim a memória de quase todos. Eu sou boa em perder as coisas. Chave do carro, chave de casa, tampa de caneta, marcador de página, tarraxa de brinco, envelope, moedas, tic-tac, razão, lápis de olho, auto-bilhetes, pendrive, nota fiscal, botões, oportunidade de ficar calada, pequenas manias, momentos e um pouco de tempo, já perdi tudo isso. Costumo semear meus pertences pelos quatro cantos do mundo. Mas esses dias eu perdi uma coisa que me deixou meio preocupada, não foi a primeira

dona do mundo

Da série revividos, parte II. Este foi publicado em 2007. Dei uma arredondada nas arestas e nada conseguiu ser mais apropriado pra hoje. Se eu fosse escrever algo desde o início, seria exatamente isso! ---- Hoje não há tédio, nem há o que tire o sorriso do meu rosto. Determinei suas desinvenções.   Hoje eu faço questão de ser, acima de tudo, na frente de todos. Ser por mim e pelos outros. Ser por qualquer um. Então, hoje eu sou tudo aquilo que eu sempre fui e um tantinho mais do que eu vou ser qualquer hora dessas... Resolvi ser hoje o que eu acabo de inventar. Daqui a pouco posso ser diferente. Hoje eu estou disponível pra qualquer brincadeira, estou fácil, enérgica, bem faceira. Quero TUDO e quero AGORA. Hoje eu dou a vida, eu escrevo a história. E hoje eu vou fazer sol até de madrugada. E hoje eu não páro, não vou pagar as contas, não vou dar satisfação. Hoje eu me elegi - por unanimidade - dona do mundo, da verdade e do que mais eu quiser. Vou parar o trânsito e rir, vou c

paso de piedra 2005 malbec

Da série revividos. Era uma vez um fotolog. Daí acabou. Fim. Não, não fim. Resolvi resgatar de lá os textos que eu gosto e postar aqui... Então este é o primeiro, porque foi por causa dele que eu resolvi fazer o blog.  ==== Têm várias coisinhas no mundo que me irritam. Não são irritações sérias, mas são as coisinhas de pensar: por que isso existe? Por que ser assim? O mundo seria melhor sem isso. Que feio... Por exemplo, pra que mexer comigo quando eu estou tão quietinha e querida no meu canto? Depois reclamam... Adoram colocar a culpa em mim. Choveu? Culpa minha. Sol de rachar? Culpa minha. Subiu a gasolina, caíram as ações, acabou o papel higiênico? Culpa minha. Ah, mas eu vou conta um segredo, pasmem. Nem tudo no mundo é minha culpa, por mais que isso agrade algumas cabecinhas. Lamento. Legal, vamos aos poucos, são muitas informações. As coisas funcionam mais ou menos assim: ando eu bem despreocupada por aí, interessada só em ser eu e fazer (bem feita) a minha parte – aliás, bem

mula sem cabeça

Nunca me queixei dos meus caminhos tortos. Nunca reclamei de ter que fazer o caminho mais longo entre dois pontos. Os passos a mais sempre me deram tempo a mais para pensar. Vou reclamar de pensar muito, então. Não. Não vou. Em um desses caminhos, entre uma pedrinha e outra, depois de uma curva e antes de um buraco, esbarrei com uma belíssima incógnita. Uma grande dúvida, de olhos apertados, verdes, cílios longos, um beiçudo simpático. Eu que sou conhecedora dos meus devaneios, que assumo as minhas imperfeições e conheço as minhas inconstâncias, experimentei a sensação do mais completo vácuo. Aquilo que falam que falta o ar, que some o chão, que não se sabe onde está, é verdade, aconteceu. Durou segundos, mas aconteceu. Ah, mas não foi paixão, não. Foi susto. Naqueles segundos me faltou tudo. Talvez até a boca tenha caído. Nos meus vinte e tantos anos de vida nunca um ser tão belo havia me dado tanta bola. Um bolão. É... ele batia um bolão. Era lindo demais, corpo perfeito demais, so

aconteceu e passou

O homem e suas vaidades. A vaidade não é um mal necessário, é apenas necessária, porém, precisa de certas medidas. Por vaidade o homem deixa de admitir alguns constrangimentos, engole desaforos, omite sentimentos, estanca os gritos com band-aid. Fica com o desespero atravancando a garganta, empalando a liberdade. Por vaidade não se admite um não. Por vaidade não se vai embora, nem se chora, nem se sai correndo sem ter rumo. Isso adoece a pessoa, o palavrão trancado e o choro engolido dão câncer. A mesma sinceridade da felicidade deveria existir para o desapontamento. Admiro quem assume suas decepções. Talvez mais que isso, admiro quem bate com a cara na porta e não sorri. Todo mundo cai do cavalo um dia. E dói. Poucos se inserem nessa dor para viverem o sofrimento. Por que fazer isso? Seria exercitar o masoquismo? Acho que não. É mais uma questão de sinceridade, colocar na mesa a carta preta da desilusão, desdobrar para seguir o fluxo da vida. Imperfeito não é o preté

paul em porto alegre

Quando os meninos de Liverpool se transformaram nos Beatles não imaginavam o fenômeno que seriam. E que ainda são. Tenho imensa dificuldade em explicar por que eu amo tanto, de onde vem a minha paixão. Quando eu nasci não havia mais o grupo e John Lennon logo foi assassinado. Meu amor pelos Beatles é genético. Meus pais sempre amaram, ouviam enquanto namoravam e – segundo fui informada depois do show – fui feita ao som dos reis do iê iê iê. Sofri dores físicas de ansiedade pro show do Paul McCartney domingo. Revivi minhas cenas de criança, ouvindo os vinis e fingindo dublar as músicas. Eu inventava coreografias, adorava tatear as capas dos discos, percorria com os meus dedos os contornos dos rostos de cada um deles, como se quisesse decorar para desenhar depois. Minha vida sempre teve trilha sonora. Aprendi em casa a relacionar os momentos com as músicas. E os Beatles sempre fizeram parte da família. Antes da ceia do natal, ajeitando os últimos detalhes, eles sempre faziam show na nos