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as rugas do origami

Comprei creme para rugas. Um dia isso iria acontecer. O potinho de vidro com letras miúdas ainda é um tímido nanico entre os longilíneos frascos de perfume da prateleira. Ainda sofre um pouco de preconceito porque comprar, eu comprei. Usar são outros quinhentos.



Resolvi avaliar dentro da minha cabecinha por que eu jamais havia comprado um potinho daquela espécie. Por que dentre tantas quinquilharias já adquiridas na vida, nunca um mísero creminho para rugas. E eles são simpáticos! A descrição do produto e as promessas oferecidas são tentadoras. Ao fim e ao cabo, comprei por não ter encontrado o porquê de não comprar. Ainda não encontrei o porquê de não usar, logo, venho por meio deste informar que em breve serei uma usuária de um milagre epidérmico com fórmula não oleosa. Se tudo der certo, em quatro semanas os resultados serão visíveis. Em alguns anos, voltarei à primeira série. Estará na cara! Sério! De verdade!



Lendo o livreto que vem dentro da caixa, fico convencida de que Ponce de León encontrou a Fonte da Juventude. Engarrafou a água, patenteou a descoberta e passou a fornecer matéria-prima para as empresas de cosméticos.



Senti comiseração por Dorian Gay. Se ele conhecesse a Lancôme, jamais teria feito pacto algum para manter-se jovem. Bastaria seguir a bula. Tudo bem, Oscar Wilde não teria história pra contar, o romance encolheria: era uma vez um belo jovem que não queria envelhecer. Então ele adquiriu – em três vezes no cartão de crédito – o anti-rugas. Nunca envelheceu, permaneceu bonito para sempre. Fim.



E Lucas Cranach? Em vez de pintar A Fonte da Juventude, seria designer das embalagens de Renew!



Pois bem, voltando ao meu frasco de conteúdo viscoso ainda virgem, admiti a falta de motivos para não comprar e um motivo muito digno para despender cifras na sua aquisição.



Com frequencia quase semanal reunimos um grupo de amigos sinceros para fazer auto-fofoca, trocar ofensas, esquartejar mentalmente alguém, chorar as pitangas, desamarrar o bode, esvaziar os bolsos de butiás e essa coisa toda. Quando um está bem no casamento, tem desagrado no trabalho. Se outro está tranquilo com a família, está inquieto no amor. E assim fazemos nossa terapia de grupo. O riso é nosso divã. Não facilitamos a vida apenas para não faltar assunto. Todos os dramas e teatros são autorizados. É um perigo. Já saiu faísca. Já deu briga. Já acabou em campeonato de cuspe.



Em um desses encontros, fui perguntada sobre a minha vida afetiva, falei que estava bem. Bem inexistente. Um dos interlocutores respondeu:

- És muito dos extremos. És a mais zen e ao mesmo tempo a mais inquieta. Ou vive de paixão desmedida, ou tédio sentimental. Se isso fosse campeonato, tu serias o time de campanha mais irregular.

- Que nada, eu seria a zebra! A lógica sempre venta ao contrário do meu sentido.

- Não é verdade, tu sempre fazes questão de não acompanhar a lógica.

- Posso ser um pouco atípica... por exemplo, esses dias aí, me apaixonei!

- É?!

- Sim, depois passou.

- Depois quando?

- Ah, me apaixonei depois da janta e passou antes do café da manhã. Mas foi paixão, juro. Ele falava comigo e eu nem prestava atenção no assunto. Aliás, nem sei o nome, porque quando ele se apresentou, eu estava reparando que ele tinha cílios longos e que falava sorrindo, piscando rapidinho! Bem educado, cheiroso. Puxava o erre e os esses.

- Beijou?

- Não, nada, só me apaixonei, conversei um pouco e depois fui embora. Hoje acordei desapaixonada. Foi paixão dessas que vêm e vão. Sem trauma, sem dor de despedida. Só pra movimentar a engrenagem... Paixãozinha que chega muda e sai calada.

- Lembrei de uma vez que tu te apaixonaste por um dos jogadores do time sem camisa na praia. E eu perguntava quem era pra saber se eu conhecia. É loiro? É moreno? E tu respondias: não sei, mas tinha ombros lindos!



- E é verdade, os ombros mais lindos que eu já vi na vida... Reconheceria aqueles ombros em qualquer lugar do mundo. Até hoje lembro apenas dos ombros. Do rosto, da altura, da cor do cabelo, nada. Nem cor dos olhos, nem se tinha olhos.



- Acho que tu precisa puxar o freio às vezes, parar um pouco com essa urgência. Tens muita pressa em viver. Já viveu mais do que a idade que tens.



- Porque eu tenho um tempo todo meu... E depois, guardo cada uma dessas histórias com carinho!



- E como cabe tanta coisa em tão pouco tempo?



- Faço origami das minhas memórias. Dobro os meus acontecimentos em algum formato. Guardo na forma que eu achar melhor tudo que me acontece e quando eu quero ver como eu fiz, quando preciso pensar a respeito ou dá só saudade, vou lá e desdobro pra ver a história inteira. Depois dobro de novo. Nem sempre volta a ser a mesma coisa que era.



- Cuidado com isso. Não esquece que a dobradura cria marca que não sai. A ruga da dobradura sempre fica.



Não posso afirmar que fui chamada de enrugada. Nem que foi uma observação dentro do meu contexto ilustrativo-filosófico-comparatório-analógico-anaítico.



Pelo sim ou pelo não, sendo as rugas figuradas das minhas histórias ou as rugas da minha testa, resolvi combater as que eu posso evitar.



Para as rugas do rosto, creme. Se não der certo, quem sabe, botox.



Já as rugas das minhas histórias, nenhum milagre cremoso ou toxina botulínica podem reverter os plissados da minha memória. São nesses sulcos que eu prendo o pé, é ali que eu tropeço, é o que muitas vezes me segura quando eu deveria arriscar.



Para essas rugas, muito chá de cidró e travesseiro.

 
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Esta sou eu antes do creme.
Em quatro semanas postarei a foto.
 
Aguardo com ansiedade pelos resultados!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Filosofia do Amor
(Jorge Vercilo)
 
 
 
Quem por medo do amor que morre



Na hora que o amor percorre


Recua, se afasta e corre


Ouça o conselho que eu lhe dou


É só você morrer de amor


Que a chama do amor não morre






Quem por mágoa de amor se abate


Por medo que o amor maltrate


Ao invés de se dar combate


Ouça o conselho que eu lhe dou


É muito mais cruel a dor


Na casa que o amor não bate






Filosofia de amor não é rei nem doutor


Quem aprende


Só vai sair vencedor de um combate de amor


Quem se rende


Filosofia de amor só não é sabedor


Quem renega


Só vai prender seu amor e virar seu senhor


Aquele que se entrega


E o poeta é o professor


Que ensina todo dia


Filosofia de amor...

Comentários

Carlos disse…
PELAMORDEDEUS!!!!!
Não me passa esse tal de Renew nas Covinhas!!!!!

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