Pular para o conteúdo principal

stomachion das relações

Ele irá acusá-la. Ela irá rebater. Ou vice-versa. A briga acontecerá, será inevitável. Romances esbarram em placas de pare erguidas pelas particularidades das pessoas. Esquecemos que no relacionamento não somos um, continuamos dois. Quando lembramos, ditamos que sempre fomos assim e que nada mudará: ele me conheceu exatamente deste jeito.



Está errado.



A maioria dos solteiros – aqui falo tanto em homens quanto em mulheres – desalmados, egoístas e promíscuos que eu conheço se transformam em seres agradáveis, doces e fiéis quando amam. Amor exige disposição. O amor requer muito do que jamais nos foi dito. Você irá mudar, talvez nem perceba. Mudará sem evitar. Por isso ao acabar o relacionamento é comum que o outro diga que agora caiu a máscara. Calma, alto lá. Somos seres em constante mudança, unimos a nós o nosso meio. Por isso prefiro sempre evitar as brigas.



É comum que o casal pense que poderá ficar junto sem ser diferente, mas sempre um pede que o outro se transforme. Ela comprará a camisa rosa que ficará esquecida atrás da última pilha de roupa. Ele a presenteará com o perfume doce que dá náusea só de ver a silhueta do vidro.



Evito brigas por questão de economia de energia. Tudo tende a se acertar com conversas sinceras. Ou na praticidade dos beijos. Particularmente, apelo para o bom humor.



- Já recolhi quatro canecas de café espalhadas pela casa. Sem falar nos livros! Não tem como usar a cama, nem o sofá ou a mesa da sala! Por que tu não estudas num canto só da casa? E por que não usa uma caneca só para todos os cafés do dia?

- Lindo, sabia que a cadeira elétrica foi inventada por um dentista?



Ele me lançou olhar de medusa. Virei pedra enquanto ele carregava meus livros e canecas para lugar incerto. Percebi que não estávamos na mesma trilha, não havia disposição por parte dele para transformar um relacionamento sério em um relacionamento divertido. Eu gostava de cultura inútil, ele da casa arrumada em época de prova. Sem falar que ele me deu o trabalho de ter que espalhar pela casa todas as canecas e livros novamente. Na faculdade a decoração do caos inspirava meu bom desempenho!



Evitar a briga é uma brincadeira de quebra-cabeça. Temos muitas peças, precisamos montar uma figura. Não precisa ser a figura correta, a figura que servir, serviu. É uma questão matemática, onde muitas possibilidades são possíveis, o trabalho é encontrar as peças, as palavras certas, as atitudes corretas. É uma questão de física e de matemática, Arquimedes já estudou. Precisamos observar, tanto quanto ele observou o volume de água da banheira para criar a lei do empuxo. Singelas constatações que o levaram a sair gritando EURECA pela rua, nu – dizem os fofoqueiros da época.



Talvez num primeiro momento Arquimedes não pareça ter a menos intimidade com o amor. Mas tem. Foi ele quem inventou o parafuso hidráulico. Nunca fui numa festa da porca e o parafuso, mas considero uma das ideias mais geniais. Homens com parafuso, mulheres com porca, o objetivo é encontrar o seu par. Penso na quantidade de abordagens incríveis, na troca de parafusos, porcas puritanas se negando a experimentar o parafuso. Quem acha seu par nesta festa deve acender uma vela para Arquimedes.



Para evitar brigas, precisamos usar um stomachion das relações. Este foi o quebra-cabeça estudado por Arquimedes, um quadrado dividido em quatorze peças geométricas que podem tanto voltar a ser quadrado, depois de embaralhadas, quanto se transformar em qualquer figura a partir de diversas montagens. Arquimedes gastou muito tempo brincando para tentar determinar um número de soluções possíveis. Foi mais fácil chegar ao valor do “PI”. Como às vezes é tão difícil agradar.



É necessário ter muitas peças para formar uma unidade. A resposta adequada depende de observação e habilidade. Não funcionou um, passemos ao próximo. As possibilidades são muitas. Evitar briga não é uma questão de preguiça, dá trabalho.



Outro dia ele reclamou dos meus atrasos:

- Marcamos às oito, uma hora de atraso! Não vai dar tempo de jantar antes do cinema.

- Podemos comer depois!

- Eu estou com fome agora...

- Compraremos sacos gigantescos de pipoca, com muita manteiga, de nadar dentro!

- Não gosto de pipoca.

Quando falham argumentos, apelo para força bruta. Pulei em cima dele prensando contra a parede, beijei e sorri:

- Quer saber? Pra que cinema se a gente pode fazer o nosso filme? Pra que janta quando a gente pode pedir uma pizza? Pra que se preocupar com horário se podemos inventar nosso próprio tempo?



Ele sorriu de volta e me abraçou. Consegui. Evitar brigas é encontrar a cumplicidade das peças: ela e ele.



Quando conseguir, vale gritar EURECA pela rua.

Mas certifique-se de estar vestido.



O Vento


Los Hermanos



Posso ouvir o vento passar,

assistir à onda bater,

mas o estrago que faz

a vida é curta pra ver...

Eu pensei..

Que quando eu morrer

vou acordar para o tempo

e para o tempo parar:

Um século, um mês,

três vidas e mais

um passo pra trás?

Por que será?

... Vou pensar.



- Como pode alguém sonhar

o que é impossível saber?

- Não te dizer o que eu penso

já é pensar em dizer

e isso, eu vi,

o vento leva!

- Não sei mais

sinto que é como sonhar

que o esforço pra lembrar

é a vontade de esquecer...

E isso por que?

Diz mais!

Uh... Se a gente já não sabe mais

rir um do outro meu bem então

o que resta é chorar e talvez,

se tem que durar,

vem renascido o amor

bento de lágrimas.

Um século, três,

se as vidas atrás

são parte de nós.

E como será?

O vento vai dizer

lento o que virá,

e se chover demais,

a gente vai saber,

claro de um trovão,

se alguém depois

sorrir em paz.

Só de encontrar... Ah!!!











































Comentários

Unknown disse…
Quando estamos com "alguém" queremos que eles mudem e o "alguém" que que nós mudemos, mas na verdade somos o que somos. Sendo dois sempre seremos mais fortes, respeito pela diferença é o que faz o crescimento. Muito bom o texto.
Keila disse…
És sempre maravilhosa quando escreves, Kukynha.

E realmente, evitar brigas dá muito trabalho. Mas pode ser bem mais divertido, e podemos abusar da criatividade e do bom humor.
Di disse…
Autenticidade, ser o que se é na relação e respeitar o espaço do outro é AMOR!!! A minha bagunça ser a dele e a dele ser a minha é uma questão de respeito e, novamente, amor!! Adorei!!!
Carlos disse…
Show de Bola, sua Cabecinha Iluminada!!!

Difícil encontrar parceria para por isso em prática...
BETO disse…
nao sei pq ainda fico surpreso com vc. Bocuda, admiro seu modo de viver a vida, amo vc.

Postagens mais visitadas deste blog

(des)graças virtuais

Lembram que há posts atrás comentei sobre um fato engraçado que havia acontecido, mas eu não podia ainda contar porque não sabia como? Pois bem... contarei. Antes, é sempre bom lembrar que não é nada pessoal, tudo em nome da literatura. Faz de conta que aconteceu com a prima de uma amiga da sobrinha da vizinha da minha irmã. Ah, eu gosto de inventar personagens para fatos reais e me agradam fatos fictícios para personagens reais, também me autorizo complementar a verdade, inventar outras e ajeitar do jeito que eu bem entendo. Já que sou eu quem escreve, eu posso tudo. Não sou democrática quando escrevo. Nem quando tenho fome. Era uma vez, uma festinha. Dessas festinhas que acontecem todas as semanas, no mesmo lugar, com as mesmas pessoas reunidas, que a gente já tem até uma noção do que vai tocar, do que vai acontecer, de quem vai encontrar. Essas festas onde não precisamos de dons mediúnicos pra prever incomodação ou com quem se vai embora, melhor, com quem não se vai em...

poucos gigas

Eu não sou boa fisionomista. Não sou boa em lembrar dos rostos das pessoa que conheci. Se eu preciso encontrar alguém, tento lembrar da roupa que estava usando e se for “o Fulano, que estava bebendo água com a gente em tal lugar”, vou lembrar da marca da água, se era com ou sem bolinhas, como o Fulano bebia, onde era o lugar e o que fizemos, mas provavelmente, não me lembrarei do rosto da pessoa. Às vezes eu não presto muita atenção no rosto, escuto o que a pessoa fala, fico atenta aos gestos... pelo menos em uma primeira conversa. Sou detalhista demais pra prestar atenção apenas no rosto. A menos que a pessoa seja muito marcante já à primeira vista. Tive uma paixão adolescente no colégio. Por todo o segundo grau, na verdade. Era um menino que nunca estudou comigo, nunca namoramos, mas éramos declaradamente apaixonados um pela companhia do outro, pela nossa sinceridade e pela maneira como jamais nos cobramos nada. Havia um pacto branco de jamais mentir. Havia um pacto branco de não ...

estudo antropológico (I)

Podem me crucificar pelo que vou dizer agora, mas um homem de verdade precisa ter seu futebol semanal. Ou coisa que seja equivalente. E digo mais: pelo menos semanal. Se for mais de uma vez, beleza. Se for um dia de futebol, outro do tênis, mais um de pôquer e outro de paintball, que bom! Se tiver churrasco depois do futebol, melhor ainda. Um atleta precisa repor líquidos, cerveja é válida. Um atleta precisa comer proteínas, ainda que oriundas de uma bela costela pingando gordura em cima do carvão em brasa. Hmmm, até eu fiquei com água na boca! Um homem precisa se reunir com seu clã. Eles precisam gastar energia física e mental em conjunto. Precisam correr, precisam disputar a bola, urrar a cada gol feito – sem dancinhas, por favor. Depois eles precisam comentar cada lance, de preferência durante o churrasco, relembrar o drible, aquela bola no meio das pernas, o chute no travessão. Debocham de quem perdeu como se fossem renegados das cruzadas e minutos depois servem um copo de cerveja...