Sem jeito pra encaixar o corpo na cama, esta sou eu admitindo que me restou apenas levantar quando a vontade ainda seria permanecer. Preferia dormir. Meu sono me visita como marido adúltero: chega tarde, fica quatro ou cinco horas e vai embora cedo, sem despedidas. Relatam que já nasci inquieta, mas lembro de uma fase da vida, acho que pela adolescência, em que eu era capaz de dormir dez horas seguidas. Sem culpa. Sem trocar de posição. Sem ir ao banheiro.
Não se faz mais sono como antigamente. Não se faz mais muita coisa como antigamente. Como aquariana praticante e convicta, assumo que sempre ando com a cabeça lá na frente – ultimamente lá nas nuvens. Mas para algumas coisas, sou conservadora. Não dessas que defendem verdades absolutas, paradigmas imutáveis e opiniões de pedra. Sou favorável às mudanças, desde que se mantenha a essência. Tem coisa que só funciona assim. E só faz sentido desse jeito.
Por exemplo, homens e mulheres. Essa nova paquera de hoje em dia é muito estranha. Não consigo entender as regras do jogo, não sei nem como joga. Às vezes sou apenas torcedora. Vejo muitos homens quase mulherzinhas e muitas mulheres quase de cuecas! Que é isso?! Quero fazer uma marcha contra essa modernidade. Cadê o cara que faz a corte? Cadê a abordagem de um cavalheiro? A conversa interessante? Cadê a graça?
Pessoas deixam de se conhecer para se pegar. Está errado.
Assim como está errado não ligar no dia seguinte para não mostrar interesse. E pegou o telefone porque faz coleção? Na na ni na não. Sentiu vontade, liga. Não tem assunto, inventa. Foi-se o tempo em que estender um olhar conduzia a uma conversa. Foi-se o tempo em que se preocupavam em conversar assuntos interessantes. Claro que não acho que as pessoas devem chegar falando sobre o último livro que leram ou perguntando qual o filósofo favorito. Mas “oi, como tu é linda” se ouve em qualquer obra.
É preciso ousadia sem perder a ternura.
Dia desses um amigo me disse que encontrou um amor antigo. Que ela deu papo para ele, deu mais que isso, o telefone. Ele achava que era por simpatia. Eu sugeri que ligasse e descobrisse. Ele justificou:
- Ela sempre foi a gata da faculdade e eu um nerd.
- Pois seja um nerd com coragem. Nerd, tudo bem, mas covarde...
Não sei ainda do fim da história. Apenas sei que sou da política que se deve paquerar com papéis definidos: mulheres não atacam homens. Homens não atropelam as mulheres. Respeito, cuidado, educação e interesse nunca fizeram mal a ninguém. Óbvio que nem todas as minhas teorias têm cem por cento de aproveitamento e alguns amores que começam muito bem acabam mal – é, todo o cuidado é pouco.
Voltando umas areinhas na ampulheta, lembro de uma situação, um coquetel de lançamento de alguma coisa. Eu perambulava há horas com a mesma taça de espumante na mão, já quente. Um tédio quase de chutar pedrinhas, mas mantendo o profissionalismo e sorrindo orgulhosa para os clientes. Eu pedia água para o garçom e ele respondia que só tinha refrigerante. Um cidadão tão alto quanto chato resolveu trocar constantemente minha taça. Eu regava as flores de plástico – discretamente – para ficar com a taça vazia, lá vinha ele, prestativo suficiente para ser inconveniente. Inserindo-se até nas minhas conversas, que infelizmente nesses eventos passam longe de filosofia de bar ou divagações sobre absurdos. Passei a embebedar um bambu mosso. Fui flagrada por um conhecido, desses de vista, de oi e tchau, de “aperta o nove, por favor”. Ele perguntou se eu estava entediada, fiz que não com a cabeça, rindo sem mostrar os dentes. Ele perguntou se eu não bebia, respondi que eu estava dirigindo, que preferia uma água, mas que o garçom disse que não tinha e assim o papo foi engatando, divertido. Juntaram mais pessoas e foi indo a conversa. Anunciei que eu ia embora e ele disse:
- Me leve com a vossa pessoa.
Pausa. “Me leve com a vossa pessoa” não é um “me dá uma carona”. Eu, seduzida pelo diferente, levei com a minha pessoa. Ele pareceu interessante, nós saímos mais umas vezes, nos beijamos e foi tudo indo muito bem, como costuma acontecer com amor novo... mas eu olhava pra ele e via um vasto mar de nada. Tentava esculpir nos blocos de mármore das palavras dele mais alguma coisa. Em vão. Era tudo pedra mesmo. O que ele me deu? Uma única frase. Depois disso, uma sucessão de insucessos. Aqui é proibido relaxar depois da conquista.
Peguei-me bocejando no meio de uma conversa. Apoiada com o cotovelo na mesa, uma mão segurando o rosto, a outra revirando o sorvete. Ele me dava sono, como não tinha desde a adolescência.
Não busco no amor a cura da minha insônia. Se bobear, quero que piore. Quero trocar o sono pelas lembranças da companhia, quero repetir na cabeça o que foi dito. Encher na cabeça o prato dos assuntos de amanhã, planejar o que nunca vou fazer só pra viver duas vezes: pensando uma coisa e fazendo outra. Preciso disso, do motivo novo. Olhar e catar em alguém tantos infinitos quanto os que eu carrego. Apenas amor não basta.
Tem amor que começa num beijo e acaba num bocejo.
THIS IS NOT A LOVE STORY. THIS IS A STORY ABOUT LOVE. É o que diz na camiseta.
OBS.: Sempre lembrando que eu furto histórias, altero personagens, invento diálogos, pioro situações e posso até mentir. Pode ser que nada disso tenha acontecido. Ou posso estar mentindo! =-)
Já expliquei que é tudo em favor da literatura, né...
(será que os envolvidos vão ler?!)
OUTRA OBS.: Por falar em adolescência, que época desumana. Pelo menos, pra mim foi. Eu era um ET. Adolescente é um bicho confuso que cresce de um jeito desigual. Eu cresci em perna, boca e olho, nessa ordem. Tudo em proporção pelo menos vinte vezes maior que o resto do corpo. Falei do sorriso metálico? E do tanto que é difícil ser ruiva de sardas no colégio? Falei que eu só usava camisetão? Eu devia dormir muito por isso: pra passar mais rápido!
Hoje sem música, já gastei muito papo.
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