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Mostrando postagens de maio, 2011

borges, platão, jung, eu e nossos todos

Vai dizer que um amorzinho platônico vez que outra não é bom?! Eu concordo que sim, por isso, provavelmente, vou pra fogueira. Digo mais, confessando como quem está diante de um padre em pleno juízo final, era minha escolha favorita na adolescência. Não fui muito dada às entregas pessoais, aos beijos furtados no fim da aula – mentira, era sim. Porém, ainda, preferia os amores ideais. Os amores que eu imaginava. Esses eram duradouros, ocupavam linhas e mais linhas, gastava grafite, borracha, horas de sono. Romances ilustrados em antigos cadernos. Meus amores platônicos eram ecologicamente corretos, aproveitava a folha inteira, frente e verso. Muitos viraram barquinhos colecionados por anos nas gavetas da escrivaninha. Escolhia um alguém inventado, uma vítima que apenas emprestava seus contornos físicos às situações e personalidade que eu depositava. A vantagem era que o amor acabava sem ter que terminar, sem dar explicações, sem cortantes fatos reais. A desvantagem era a falta do tud

breve história de amor em um ato

Esqueci a sutileza no elevador. Multipliquei a minha capacidade de fazer barulho, liguei a deselegância no amplificador, com os dois pés na porta, entrei. - O que é isso? - Oi, preciso te contar uma coisa... - Eu nem te conheço. - Eu sei e talvez nunca vá conhecer. Se conhecer, talvez prefira negar, achar que não ou fingir, desconversar. Eu sou alguém por quem se apaixonar. Isso vai te deixar culpado, ainda que nenhum de nós dois vá entender o porquê, apenas vai. Ah, confuso também. Tu vais tentar me evitar desde o início, me assustar, me afastar e me repelir. No fim das contas, vai conseguir, mas não vai ficar satisfeito. - Eu não estou entendendo nada. - Jamais entenderemos. Vamos nos ocupar em viver e atropelar tudo. Não vamos começar do início, vamos direto pro meio e nesse meio tu vais querer colocar um fim. Vários fins. Vai ser dedicado aos pontos finais, que uma hora eu me esforçarei pra transformar em vírgula, depois conseguirei te impor algumas reticências, até que uma

cheiro de polenta

Não existe coisa mais clichê do que almoço em restaurante de praia em pleno inverno. A maioria dos estabelecimentos estão fechados, sobram dois ou três frequentáveis e consumíveis. Independente de qual a metodologia de serviço empregada, o caos é sempre o prato principal. Mesas próximas simulam famílias numerosas quando a meia dúzia de casais reunidos nunca sequer trocou um bom dia. Quando a família combina tal programação, cogito mentalmente almoçar torradas, inventar um super prato de miojo com ingredientes mirabolantes, sopa de concha, pedra moída, bolinho de barro do Eduardo. Calo os pensamentos. Em nome da união familiar que almoça com o clã completo apenas nos finais de semana, aceito o que escolhem. Nem ouso manifestar-me contra, seria voto vencido. Ganharia etiqueta de mala. Possivelmente fariam piada com meus instintos antissociais alimentícios. Tenho por princípio que é possível divertir-se em qualquer lugar do mundo. Costumo falar que se me trancarem em um armário, faço s

observador mirim

Meu filho exerce um fascínio sobre mim. Não me canso de estudar a anatomia dele, escutar a voz com a fala enrolada, corrigir os verbos e incentivar a não falar de si em terceira pessoa. Gosto das nossas brincadeiras e das nossas intimidades, do olhar cúmplice que temos. Mais que tudo, eu gosto de admirar a maneira como ele evolui. Ele testa os limites, arrisca, se impõem, teima, opina. Às vezes ele até me repreende. Eduardo tem uma personalidade doce e decidida. Com dois anos e oito meses já escolhe as próprias roupas, decide o que quer comer, o desenho preferido e o sabor do suco. Divide comigo uma centena de questionamentos. Nós somos muito bons juntos. Fico admirada com a visão que ele tem das coisas, as pequenas percepções e as grandes conclusões. Uma vez, antes do almoço, minha mãe cortava batatas pra fazer a salada e suspirou. Imediatamente ele perguntou se ela estava muito cansada. A naturalidade da pergunta traduzia a simplicidade da constatação, a preocupação com o esta

o que camille claudel já sabia

“Existe sempre uma coisa ausente que me atormenta.” E quem nunca foi atormentado por um vazio? A frase poderia ser minha, poderia ser sua ou de qualquer um que já foi machucado pela presença da ausência. De qualquer um que já suspirou decepcionado ao olhar o banco do carro vazio, que ouviu a música certa na hora errada, que queria falar algo e calou. O que dói é a falta que se sente, dói por não ter medida. Não se mensura o quanto se tem de ausência. É impossível quantificar o vácuo. A ausência não tem hora, duração ou lugar. Mas ela está presente o tempo inteiro, por tudo, sem interrupção. A frase muito pertinente é de autoria de Camille Claudel, artista plástica mais conhecida por sua vida do que pela sua obra – o que não é mérito para uma escultora do porte dela. Quando a vida de um artista está mais em foco do que a sua produção é porque produziu muito mais sem utilizar seu dom. O que Camille fez? Além de ser um prodígio como escultora e ousadíssima como mulher, Camille se apaix