O céu passou a tarde inteira em um azul escancarado. Não teve vergonha de abolir as nuvens, não deixou que surgissem riscas brancas de giz por nenhum grau do horizonte. Desenhou o infinito em tons de luminosidade até chegar a noite. Eu, como boa gulosa de felicidade, aproveitei o clima para ver no rosto de uns amores sorrisos. Fiz da rede um universo modesto, onde eu pudesse brincar de Deus, determinando as espreguiçadas e os cochilos entre as viradas de páginas do livro. Busquei com a ponta dos dedos os embalos dos impulsos na parede. Analisei meu pé descalço há quase doze horas.
Agora à noite, a lua é miúda, discreta entre umas porções de estrelas, organizadas em pequenos grupos, que me parecem tão íntimas. Quase me chamam pelo apelido. Fofocam sobre mim, trocam confidências sobre os pedidos que eu faço, sobre as coisas que eu conto. Apenas não duvidam porque testemunham. Acabei de passar o céu em revista. O pelotão de estrelas também não permitiu as nuvens. Sim, fui procurar por elas porque estou com saudade de dormir com chuva. Adoro chuva, mesmo na praia. Adoro praia, mesmo com chuva, mesmo no inverno, mesmo qualquer coisa, mesmo. Assim como gosto de tanta coisa sem explicação, gostei muito do dia de hoje, ainda que a chuva não venha regar a minha horta de sonhos.
Aliás desfiz o jardim de sonhos, transformei numa horta! Pode não ser poético, pode não ser romântico, mas prefiro que os sonhos me alimentem. Um jardim de sonhos é muito estético e pouco útil. Minha horta de sonhos exige tanto cuidado e adubo quanto um jardim, com a vantagem de permitir a colheita.
Hoje ouvi histórias da minha infância. Sobre as minhas teorias precoces e filosofias. Ouvi que sempre fui muito boa em respostas, o que me surpreendeu, porque sempre achei que eu fosse muito boa com as perguntas. Fui uma criança de olhos curiosos, daquelas que observam o território, eu estudava as pessoas, usava conscientemente do meu charme infantil pra conseguir pequenos agrados. Eu testava os limites, ainda que advertida pela minha mãe, que por vezes perseguia meus passos com olhos de Medusa, numa clara intenção de me transformar em pedra. Uma vez pedra, ficaria quieta. Minha mãe sempre incentivou minhas leituras, meus pensamentos e crises de liberdade, sempre foi amante das minhas expressões, mas era contra as agitações e minhas perguntas carregadas de ironia, geralmente dirigidas a quem não devia.
E da minha rede-universo, as certezas das coisas que eu não gosto, injustificáveis ou não. Pessoas que foram, momentos que passaram, dias que deixaram saudades. Alguma coisa andou quebrando por mãos que não são minhas. Eu não colo mais nada, quebrou, vai fora. Insisto em cuidados que não dependem só de mim. Quando as variáveis são pessoas, a equação tem resultado inexato e prova real impossível. A quantidade de resultados é imprevisível.
Viver é imprevisível.
Queria ordenar ao tempo: à noite, chuva. Não choveu. E eu nem posso transformar a desobediência metereológica em pedra.
Pensando bem, o que fez falta de verdade, foi não ter um gato por perto.
E Humberto me dá razão, mais uma vez...
Seria mais fácil fazer como todo mundo faz.
O caminho mais curto, produto que rende mais.
Seria mais fácil fazer como todo mundo faz.
Um tiro certeiro, modelo que vende mais.
Mas nós dançamos no silêncio,
choramos no carnaval.
Não vemos graça nas gracinhas da TV,
morremos de rir no horário eleitoral.
Seria mais fácil fazer como todo mundo faz,
sem sair do sofá, deixar a Ferrari pra trás.
Seria mais fácil, como todo mundo faz.
O milésimo gol sentado na mesa de um bar.
Mas nós vibramos em outra frequência,
sabemos que não é bem assim.
Se fosse fácil achar o caminho das pedras,
tantas pedras no caminho não seria ruim
Comentários
O tempo não te obedeceu????
E eu que tinha certeza de que eras tu quem coordenava o Universo...
Carnaval deitado numa rede?
Graaande programa!!
Melhor só se esta rede estivesse em uma pousada em Caraiva ou Camamu...
PS. tem alguém apaixonada aí dentro desta delícia de biscoito?