Existia um Roger. Ok, o Roger. Era meu colega nas cadeiras de quarta de manhã e quinta de tarde. As cadeiras de sexta eram proibidas, já era dia de ir pra praia ou a festa da quinta não me permitiria acordar... A faculdade é muito interessante aos 18 anos. A gente acredita em centenas de premissas, desacredita de outras tantas, mas a maioria delas não interessa. Nem fazem sentido. O percentual de fim de namoro é elevado nos primeiros semestres.
Lá estava Roger. Ele era muito descoordenado, andava estranho, falava estranho, ria estranho, puxava o ar e fazia ronquinhos franzindo o nariz. Realmente Roger era estranho. Além de alto, atlético, com cabelos ao vento e os malditos cílios longos. Eu me lembro da primeira vez que notei aquele ser na mesma turma, foi perto da G1, primeira prova. Teve um campeonato de futebol na faculdade, um dos meus amigos, Douglas, que era de outro curso, havia me recrutado pra assistir. Eu era a responsável por cuidar do nosso chimarrão nos intervalos. Douglas e eu éramos amigos desde o cursinho. Passávamos os intervalos juntos, apesar dos cursos diferentes e, como eu, ele também havia acabado um namoro no início da faculdade. Foi ele quem me ensinou a beber tequila. Foi com ele que bebi arak pela primeira vez. Também foi ele quem me ensinou que pra fazer o carro pegar tem que engatar a segunda enquanto alguém empurra. Éramos experts em deixar a luz interna ligada nos estacionamentos!
O Roger perdeu centenas de gols. Isso me chamou a atenção. Lá pelas tantas foi filar nosso chimarrão. Conversamos... cílios longos... Infernizei o Douglas ao longo do final de semana com o tal Roger, relembrando cada vírgula da nossa conversa, cada gol perdido. E o Douglas pacientemente ria de tudo. Naquela noite, pós campeonato, tomamos um porre no Alambique. Eu me lembro de ter rezado e jurado nunca mais beber dentro do banheiro. Lembro de ter – em vão – tentado ligar pra Mirian. Lembro que o Douglas me levou embora, pra casa dele, onde gentilmente segurou meus cabelos para que eu pudesse deixar a elegância de lado. Foi uma noite de cão... de cão sarnento. De cão sarnento que caiu no barril de rum!!!
Cheguei em casa com a cara do avesso, explicando à família que eu havia dormido – ou tentado dormir – na casa do Douglas, devido a uma pequena indisposição causada pela cereja do Martini. Ou pelo limão da tequila. Não sei. Bebemos tudo. Douglas permaneceu em pé. Eu, como boa magrela, caí pelas tabelas.
Na noite de domingo, o meu fiel escudeiro Douglas, foi ver se eu ainda estava viva, se precisava de um transplante de fígado, coisa de amigo. Resolvemos pegar um filminho pra ver tomando um chá. E quem estava na locadora? Aquele Roger. O bola murcha de cílios longos. Com 18 anos é possível dar desculpas como “destino”e acreditar nelas. Ainda mais quando está tocando LINGER no som ambiente da locadora. Destino com trilha sonora. O Roger estava locando a noiva de Chucky, ou coisa assim. Fomos gentilmente convidados para assistir junto com uma parcela da turma que se reuniria mais tarde. Fomos!
Cada lata de cerveja que era aberta me causava repulsa. Só passou depois que eu beijei o Roger. Nem vimos o filme, ficamos conversando. Antes de ir embora, nos beijamos. Durante a semana, nossa turma fez uma festinha. Nem entramos, ficamos na escadaria aos beijos. Juro que não lembro se gostei de beijar ele, mas tenho certeza que achei estranho. Comentava e contava tudo pro Douglas, ele era praticamente o meu twitter!
Eu não queria voltar a ter 18, todos os beijos que dei para Roger foram em vão. No sábado da mesma semana, ele apareceu numa festinha com outra acompanhante. Eu estava na praia, mas fiquei sabendo. TRAIÇÃO. Eu sei que ninguém namorava ninguém. Mas foi o que eu disse na hora: Traição, Douglas!!!
Sim, Douglas estava comigo e passou o final de semana ouvindo minhas pragas e xingamentos. As orelhas estranhas do Roger devem ter caído nesse dia. Eu nem gostava dele, mas e o respeito? Sou feliz por saber que nunca mais vou ter 18.
- Douglas, vou passar uma tesoura naqueles cabelos ao vento!!!
Perdoei o Roger na segunda-feira. Na quarta tivemos aulas juntos e estava tudo bem. Colega querido. Até emprestei meus cadernos completíssimos para ele tirar cópia! Minhas birras são teatrais, não posso decepcionar o expectador. A decepção foi tão passageira quanto o encanto, aliás, foram proporcionais.
Perdoei, bem querida que sou.
Num desses cafés de intervalo, Douglas me disse que era apaixonado por mim.
Nunca mais falei com ele. Até hoje, se nos encontramos, trocamos sorrisos amarelos e eu abano com a ponta dos dedos. Ele abre um sorriso largo e nos entendemos como um “oi, tudo bem?”.
TRAIÇÃO.
Um amor vira desamor.
Uma amizade não vira desamizade.
Comentários
By the way, great job as usual.
;)
Vou inventar o "Implante de Cílios". Ja to vendo a fila de barbados, todos adoradores da Kuky, na sala de espera... Vou ficar bilionário! haha
Uma amizade não vira desamizade."
Aposto que aconteceu... do jeitinho que você contou!