E eu jurava que ia levar um pito daqueles. Fui previamente advertida por amigos terroristas “leva outra muda de roupa pro almoço ou toalha”. Fui crente da merecida mijada. Preparei todas as caras de piedade. Sem exageros. Entrei no restaurante como quem caminha na corda bamba e pior, do alto avistei o chão, sem rede protetora. Sentenciei a queda. Antevi um ponto ruivo estatelado: eu. E o que eu mais espero sem acreditar que possa acontecer, aconteceu, a surpresa.
O que eu tinha na minha frente era uma pessoa tão sincera quanto eu despejando informações que me deixavam sem a menor vontade de interromper. Limite-se a respirar, pensei, porque até isso podia parar naquela hora. Minha impressão é que o mundo em volta tinha desligado. Os garçons paralisados, as pessoas mudas, nem os talheres ousavam cair. A vontade era de saber mais. Eu sempre digo que as pessoas não têm manual de instruções e acho isso muito bom, mas isso não é motivo pra que não exista sinceridade. Fui apresentada a um cartão de visitas verbal, com tantas descrições de mágoas e cuidados quanto as que eu acumulei nos bolsos a vida inteira. Li nos olhos coisas lindas, coisas terríveis, algumas indiferenças. Olhos grandes e cílios longos. Amortecia dentro de mim cada vírgula daquela metralhadora de informações que ao fim podia muito bem concluir dizendo “pois bem, este sou eu”. Um raciocínio equilibrado não permite muitos clichês, apesar desse cair muito bem, não foi dito. Com certeza uma das pessoas mais ricas em informações e afinidades com quem eu já conversei sem frescuras, sem que se escondesse nada, sem que houvesse um pingo de sedução. Aliás, o recado era mais ou menos o que eu sempre tentava passar: sai daqui enquanto dá.
Havia alguém derramado na mesa.
Gosto tanto de fugir, tive vontade de ficar. A curiosidade me deixou estática. Quero saber o que vem depois, quero saber os porquês, os agoras, quero entender, criar teorias, analisar tudo com critérios, escrever e inventar histórias. Eu tive uma overdose de inspiração, incrível o tanto que alguém pode ser combustível e nem perceber. Incrível o tanto que alguém pode se conhecer e talvez nem imaginar o tamanho que tem.
No meio de perguntas, respostas, risos, guardanapos e manchas de shoyo na camisa, certezas que só se pode ter vivendo. Não sei de onde vem essa minha vontade de viver, essa sede por experimentar as intensidades. Uma vez disse que eu nunca aprendi a nadar no raso. Não quis dizer que eu não sei nadar no raso. Quis dizer que as minhas lições nunca começaram pelo que é mais fácil. Fui jogada sempre no olho do furacão. Se for pra aprender, comecemos pelo miolo. Se for pra cair, que seja de alguma nuvem.
As frustrações que temos com as pessoas sempre partem de ideias prévias. Alimentamos o que não existe, depositamos valores altos no banco imaginário das perspectivas. O que a gente nunca espera é que elas não vão ser concretas. Daí vem a dor. Aprendi que ficar nua diante do que se espera é a melhor armadura. Não há o que ser ferido.
Quando despejo na frente de alguém as pequenas noções que tenho de mim, desarmo algumas perspectivas. Abrevio as frustrações.
Hoje eu sei o que eu quero viver. E sei que é algo que eu nunca vivi. Existe um medo, mas mandei ele sentar num canto e pensar. Cansei de ocupar meus pensamentos com ele. Quero ficar bem aqui onde eu estou, no meio da mais nova ventania de sensações. Eu não vou deixar isso passar. Na verdade, na verdade, isso me dá fome. É tão novo, inacreditável e surpreendente que posso falar dias sem explicar nada.
Durante a vida toda tive um goleiro eficiente para segurar as bolas. Hoje ele tem mãos de areia. Eu entreguei o jogo porque não quero jogar, não quero ganhar, não quero perder. Só quero a emoção. Entrei em campo pra me molhar. E quem quiser aprender pelo raso... Bom, sugiro outro esporte. A paixão não é campo de várzea.
O que eu sei é que o tempo cronológico não consegue guardar certezas. Talvez seja um encontro de almas, talvez tenha mesmo alguma coisa muito estranha nisso tudo. Mas eu não prometo eternidades para as dúvidas. As incertezas não me incomodam mais do que as verdades absolutas. Eu sou uma inconformada com o desperdício de felicidade. O que eu prometo é que não vou errar de propósito. Pensei seriamente em pedir desculpas aos habitantes do planeta pelas minhas injustificáveis ausências, mas acho que o certo seria pedir licença pra ir viver um pouco mais.
Rolam boatos que pelos lados do Menino Deus andam fazendo mundo.
*****
E no tradicional almoço entre amigos da sexta-feira, soou bem estranho conjugar o verbo apaixonar em primeira pessoa. E confirmar: estou.
Nossa mesa barulhenta fez silêncio até alguém perguntar, timidamente mexendo o gelo dentro do copo:
- Irremediavelmente?
- Sim. Aliás, se tiver remédio, eu não tomo. Vou morrer disso.
- Vai é viver disso!
- Já estou...
- Cara, na boa, a próxima vez que uma guria me pedir um cafuné, eu vou puxar os cabelos dela! Olha o que acontece...
E serviram as risadas em prato de sopa!
How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone
(esta é só a legenda da foto!!!! Calma.)
A trilha sonora é KEANE, Atlantic (muito me faz feliz esta música)
I hope all my days
Will be lit by your faceI hope all the years
Will hold tight our promises
I don't wanna be old and sleep alone
An empty house is not a homeI don't wanna be old and feel afraid
I don't wanna be old and sleep alone
An empty house is not a home
I don't wanna be old and feel afraid
And if I need anything at all
I need a place
That's hidden in the deep
Where lonely angels sing you to your sleep
The modern world is broken
I need a place
Where I can make my bed
A lover's lap whereI can lay my head
Cos now the room is spinning
The day's beginning
Comentários
Fabi
Esperei a vida inteira p ver isso!
bj
Inspirador!
Certeza! Tem um certo R. (não sei se já é público) erguendo todas as Bandeiras, as Santas e as Profanas, por aí...
É bom de mais quando tudo "Encaixa", né?
É BOM DE MAIS VIVER!