Pular para o conteúdo principal

amor



(segundo texto da série)

Desculpem, mas é mentira. Se alguém disse que o amor vai bater na sua porta, é mentira. Irão bater cobradores, carteiros entregadores, jornaleiros, pedintes, vendedores, panfleteiros, visitantes, andarilhos, perdidos, desocupados, catequistas. O amor não. Ele não bate na porta, quando a encontra fechada, ele pula a janela. Mas o amor é raro e esquece do começar. Ele acontece. Sem que ninguém saiba dizer quando ou definir por que, o amor apenas existe. E quem ama não precisa entender, nem vai. Amará e pronto.



Quem muito quer explicar perderá o tempo de amar. E vai gastar latim à toa, o amor fala a língua dos loucos.



O amor não é procurar a metade da laranja ou a tampa da panela. Não é encontrar na carta de vinhos o que mais combina com o prato principal. É temperar junto. Amor não vem pronto, mas pode ser instantâneo, inexplicável, fatal. Amor não tem motivo, ignora os porquês e não vem quando a gente chama.



Ando discordando de um montão de gente em matéria de amor. Um amigo citou Goethe “o verdadeiro amor é aquele que permanece sempre, se a ele damos tudo ou se lhe recusamos tudo”. Torci o nariz pra ele. Penso diferente, o verdadeiro amor não precisa permanecer independente de tudo. O amor é faminto, é fogueira que precisa de lenha. Pode ter muitas mortes, como nós temos, pode ir e vir centenas de vezes, pode ficar porque quer ou porque não lhe deixam partir. O amor é imprevisível, mas não é submisso. É decidido. Amor verdadeiro é o que tem jogo de cintura, que sabe ser camaleão, que muda, transforma, não implora, pede com os olhos. Lê o braile da pele. Também não concordo com Leonardo da Vinci dizendo “o amor é filho da compreensão, o amor é tanto mais veemente, quanto mais a compreensão é exata”. O amor passa longe da compreensão. O amor não nasce dela e nem de ninguém, porque nao nasce.



Podemos saber o dia do primeiro beijo, o dia que começou o namoro, o dia do casamento. Nunca saberemos o dia que começou o amor, quando ele aconteceu. O amor esquece de começar. Ele acontece. Ele surge. Amor não tem marco, amor marca. Não se define porque amor é todo o resto.



O meu amor não é tranquilo. Posso discordar do Cazuza? Não quero a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida. Amor tranquilo não é sorte, é azar. Não amo para não fazer barulho, não amo para ficar tranquila e não incomodar. Amo para incomodar e muito, mais que o normal. Amo para deixar furtarem meu sono, meu chão, minha comida, minhas palavras. Amo para justificar a intranquilidade do coração. Amo pela vontade de ser insatisfeita, pelo desejo de descobertas infinitas. Amar é conhecer alguém tão bem que sempre se possa perguntar algo. A resposta é o de menos. Amor não é resposta. Amor é aposta. É proposta.



Amo quando uso da mesma dedicação para eticar a toalha da mesa e os cílios. A toalha é o lençol das conversar. Os cílios são os convites para um abraço. Pisco como abano de leque. Amar é seduzir os segundos. É dedicação e cuidado. Amar é plantar a intimidade no canto da boca, regar com beijos para que brotem em sorrisos. Rir junto é tão íntimo quanto se despir.



Amo quando ajeito a gola da camisa e repito os avisos de sempre. Recomendo cuidado. Amo o descuido, a porta aberta, a música esvaziando o copo de vinho. Amo quando abro os olhos como cortina. Amo quando conseguem me parar, quando roubam as palavras de dentro da minha boca. Quando suspiro. Quando fecho o olho para uma cena invadir a mente.



Amo o beijo antes de acontecer. A espera na janela. Amo os nãos, as tentativas de me parar, a inteligência em respeitar os pequenos desaforos, se atirar no sofá para rir da rotina no fim do dia.



Amor é surpresa. É forte e inusitado. Amor é decorar os passos do umbigo até a nuca. É jurar em falso, mandar embora, abrir a porta e esperar que volte. Amor é o que vem depois. É o que se diz sem querer.



Amar é carregar nos bolsos a intranquilidade.

Amar é fazer pintura com o dedo. Contornar o rosto para lembrar, esquecer e lembrar de novo. Amar é não ficar, é ir e vir diversas vezes por caminhos diferentes. A fidelidade do amor está no destino.



O amor carrega uma etiqueta: inflamável, manuseie sem cuidado. E assim, posto que é chama... Não discordo do poetinha, que seja eterno enquanto dure.

Juro que eu não estou blefando!
 
Romance



Chico Buarque


Te seqüestrei


Vou te reter pra sempre


Na minha idéia


No teu lugar, talvez


Fique alguma tonta, uma dublê


Uma mulher alheia






Na minha idéia


Vives plenamente


És a pessoa


Com todas as canções


Os momentos bons e as horas más


Que a memória coa






Nas horas à toa


Às vezes ando a cismar






Serei eu mesmo


Este cantor confuso


Que te rodeia


Ou estarei feliz


Sendo eternamente o que já fui


Dentro da tua idéia



























Comentários

Carlos disse…
Por experiência própria, sou obrigado a concordar com o Alemão!
Mas, apesar de ser fã do Da Vinci, nada a ver... Aí comcordo contigo: o Amor passa longe da compreensão! Ainda bem!!!!
Anônimo disse…
Como alguem que nao ama escreve sobre amor?

Postagens mais visitadas deste blog

observador mirim

Meu filho exerce um fascínio sobre mim. Não me canso de estudar a anatomia dele, escutar a voz com a fala enrolada, corrigir os verbos e incentivar a não falar de si em terceira pessoa. Gosto das nossas brincadeiras e das nossas intimidades, do olhar cúmplice que temos. Mais que tudo, eu gosto de admirar a maneira como ele evolui. Ele testa os limites, arrisca, se impõem, teima, opina. Às vezes ele até me repreende. Eduardo tem uma personalidade doce e decidida. Com dois anos e oito meses já escolhe as próprias roupas, decide o que quer comer, o desenho preferido e o sabor do suco. Divide comigo uma centena de questionamentos. Nós somos muito bons juntos. Fico admirada com a visão que ele tem das coisas, as pequenas percepções e as grandes conclusões. Uma vez, antes do almoço, minha mãe cortava batatas pra fazer a salada e suspirou. Imediatamente ele perguntou se ela estava muito cansada. A naturalidade da pergunta traduzia a simplicidade da constatação, a preocupação com o esta

biscoitices

Dessas tantas ruas por onde passo, de todos os caminhos que não decoro, por tudo onde já me perdi, afirmo com certeza que nenhum rumo é plano ou reto. Há sempre uma curva, um degrau, uma pedra, um muro, uma árvore. Eu sou uma desinventora. E o que eu desinvento a mim pertence. O que não pertence, eu furto, ou roubo armada de flores, risada e cara de doida. O que é viver se não é praticar a insana alegria de mais um dia. Rotina não cansa. Desmonto as horas em minutos e na hora de montar novamente sempre sobra um tempo que vira saudade, que vira bobagem, que vira suspiro, que vira só tempo perdido mesmo. O que me aborrece é pensar que quase preciso pedir desculpa pela minha felicidade, como se a tristeza fosse servida junto com as refeições. Não tenho lentes cor de rosa para o mundo, nem sei brincar de contente, mas com tudo que já vem fora de encaixe, não preciso procurar o que mais pode ser alvo do meu descontentamento. Todos temos cicatrizes. Só procuro levar tudo de forma que e

bacio

Casar anda muito moderno. Mais moderno do que casar é manter-se casado. Em tempos onde o divórcio é presenteado com facilidades, conservar o estado civil contratado pelo casamento é um desafio moderníssimo. Os casais insistem em casar. Insistem mais do que em permanecerem casados. Às vezes o matrimônio exige insistência – a maioria das coisas que se faz em dupla exige, mas não sei porque em matéria de casamento a palavra insistência vem acompanhada de revirar de olhos e bufadas. A insistência não é ruim. Os maiores e os menores feitos da humanidade são paridos da insistência, até aquelas descobertas acidentais. Adoro casamentos, tenho cerimônias de núpcias em todos os finais de semana de outubro. Haja vestido! Acho linda aquela hora que os noivos trocam olhares de cumplicidade. Gosto mais ainda quando cochicham qualquer coisa deixando o público curioso. O noivo fala baixo no ouvido da noiva. A noiva ri. Todos ficam curiosos. Ah... juras de amor! Ou pequenas piadinhas entr