Sempre fui boa aluna em história – e isso não é
uma ironia. História geral, história do Brasil, história da arte, do Direito,
da Filosofia, adorava, tirava boas notas. Eu tive professores queridos. Em casa
meus pais eram livros de história. Aprendi tudo sobre feudalismo na mesa do
jantar com o meu pai. Decorei os atos institucionais com a minha mãe, ouvindo
Chico Buarque nos finais de tarde de domingo (um dia ainda descubro por que
professores de história amam marcar provas nas segundas-feiras). Aprendi nas
aulas as revoluções e aprendi com as revoluções as linhas do tempo, aprendi com
as linhas do tempo que eu não gosto de linhas do tempo. Achava uma retilínea
chatice.
Primeiro que a tal reta nunca cabia direitinho no
meu caderno. Segundo que anotar tudo tudinho em linha do tempo é um saco
saquinho. Daí eu fazia setas, balões coloridos, legendas impossíveis de
entender, puxava pra lá, pra cá em verde, azul, rosa e a linha do tempo era
quase uma previsão do tempo, daquelas que a gente olha na tevê, muitas e muitas
cores. A moça do tempo diz que vai chover, tá aqui, ó, isso azul é chuva, preferimos
acreditar. Saímos de casa de galocha, sombrinha, capa e barco. Nenhuma nuvem
aparece pra festa. Céu de brigadeiro como diz a minha vó. Na infância queria
entender o que tinha a ver o céu com o doce. Quando tinha nuvem eu dizia que
era céu de algodão doce. Minha linha do tempo de pensamentos deve ser um
espiral. Pior deve ser a dos amores, um nó! Linha cruzada. Cortada. Mas nunca
fiz gato. Amei em nome próprio, sempre.
Mesmo assim, na minha história, se linha do tempo
tivesse, seria justo uma divisão. Estilo a.C., d.C., com algumas setas, balões,
legendas e todo o blá blá blá que me faria sair de vestido e chinelinho no meio
de um tufão. Ou nevasca.
Já morri centenas de vezes, a maioria delas por pura
desobediência.
Acho que todo mundo tem uma idade de
auto-rebeldia. Você conhece alguém e pensa: "não presta". Vai lá e beija, pensa: "não devia ter beijado". Guarda uns quero-mais-disso no bolso enquanto procura as chaves. Volta
pra casa, deita na cama e pensa: "não presta". A fronha do travesseiro concorda suportando o peso da cabeça que voltou com mais pensamentos pesados do que tinha pela manhã. Acorda e pensa na pessoa, pausa
para analisar o fundo vazio do pote de cereal. “Não posso me apaixonar, não por
ele... Tanta gente legal no mundo”. Na hora do almoço, analisando o fundo do
copo vazio desfigurando a toalha de mesa: "tarde demais." Os talheres se olham calados, lamentam.
Você nem percebeu, mas na mesa os pratos da paixão
foram servidos antes dos seus. E ela repetiu, porque paixão sem gula não existe.
Paixão sem pecado não existe. Peca-se por paixão, só pelo ofício da desculpa. O
apaixonado tem sede de perdão. Seja pelo atraso, pelo sofrimento, por ter
ligado quando não devia. Pede perdão com os olhos diante do espelho, incomoda
de propósito mas faz de conta que é sem querer. A paixão permite esses
desavisos. É desmedida, coitada. Meio doidinha. Teimosa.
Tem aquela fase que a gente vê passar na esquina a
menor sombra de paixão e muda de calçada, faz a volta, vai pra casa. Tranca a
porta, fecha a janela, apaga a luz e dorme embaixo da cama. Com um porrete. Tem
a outra que a gente olha, pensa que pode ser paixão e se joga, se molha, depois
pendura no varal, como bandeira pra todo mundo ver. Paixão e exibição. Nem rima
tanto, só que é legal. Acho bonitinho quando os encantamentos são correspondidos.
Mensagens de primavera que não chegam vivas no verão. Mas tudo bem, é como eu
dizia, a gente morre, mas sobrevive. E agora algo por aqui – entre a
consciência, anjo da guarda, diabinho ou meu estômago – pergunta em que fase eu
estou. Sinceramente, não sei. É a parte da minha linha do tempo que está
borrada. Sei que eu prefiro não evitar as paixões. Sei que eu prefiro arriscar.
Outro dia alguém perguntou como faz pra não se
apaixonar. Eu pergunto por que não se apaixonar? Porque tudo que envolve paixão
é difícil? Viver também não é fácil. Difícil mesmo é fazer origami com a boca! O
que eu sei é que temos medo do desconhecido e a paixão é imprevisível, mais do
que o clima. É bem mais arriscado do que sair sem casaco num dia de frio. Uma
gripe, um trauma. São riscos que corre quem confia. Se não na previsão do
tempo, na possibilidade de que dê tudo certo. Às vezes dá, às vezes chove.
Um outro alguém me contou sobre a angústia de
acompanhar uma paixão da sobrinha adolescente. Olha pro céu, olha o celular,
olha pro mar, olha o celular, masca chicle, olha o celular, entre suspiros e
bufadas pelos sofás da casa. Na tentativa de ajudar, ele deu um livro para que
ela ocupasse a cabeça – pelo menos uma hora por dia, segundo as palavras do
herói de sobrinhas. Ocupa a cabeça e o coração continua lá, tagarelando o nome
dele. Passa no cinema da memória a mesma cena em todas as sessões,
repetidamente todos os dias. Deixa. Adolescente é feito disso: acne, paixão,
sofrimento, dilemas mortais, dúvidas cruéis, amores impossíveis, sonhos, planos,
aparelho, esmalte colorido e preocupação com o vestibular. Também já passei por
isso. Já desenrolei com bic muita fita do Metallica ouvindo NOTHING ELSE
MATTERS até decorar cada segundo de que são feitos os quase sete minutos de
música. Walkmans não eram confiáveis. Hoje em dia os recursos para trilha
sonora são melhores. Até a tecnologia contribui para um banzo de paixão.
Sobrevivi. E sobrevivi aos muitos que vieram
depois, aliás duvido que eu morra alguma vez de verdade (com atestado de óbito
e tudo) por paixão. Bem ou mal resolvida, com cicatriz ou arranhão, vira tudo
história.
E eu adoro história.
Já disse isso hoje?
P.S.: além de histórias, a gente sempre aprende novos palavrões.
P.S.2: Deus salve o Band-Aid.
P.S.3: Agradeço pela inspiração e pequeno furto de história à Paola Bárbara, ao Ico e um pouco quase nada ao Jóta Érre que me xinga por mensagem quando furto as aventuras dele sem dar os devidos créditos.
Quem mandou não escrever... ho ho ho!
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Nothing Else Matters
So close no matter how far
Couldn't be much more from the heart
Forever trusting who we are
And nothing else matters
Never opened myself this way
Life is ours, we live it our way
All these words I don't just say
And nothing else matters
Trust I seek and I find in you
Every day for us something new
Open mind for a different view
And nothing else matters
Never cared for what they do
Never cared for what they know
But I know
So close no matter how far
Couldn't be much more from the heart
Forever trusting who we are
And nothing else matters
Never cared for what they do
Never cared for what they know
But I know
I never opened myself this way
Life is ours, we live it our way
All these words I don't just say
And nothing else matters
Trust I seek and I find in you
Every day for us something new
Open mind for a different view
And nothing else matters
Never cared for what they say
Never cared for games they play
Never cared for what they do
Never cared for what they know
And I know, yeah
So close no matter how far
Couldn't be much more from the heart
Forever trusting who we are
And nothing else matters
Comentários
Tipo, desata-me ou te devoro?
Tua história merece um Livro!!!