Olhos alagados em que o brilho mergulha sempre, imerso, tão dentro
que é difícil saber o porquê de morar lá. Apenas mora. Fez da pálpebra cabana
do riso, brilho branco, noite e dia, hora espalha na íris, hora derrama na
retina. Entre ondas de vento que saem dos cílios e suspiros, peito cheio. As
malas do coração estão sempre prontas, não para mudar de casa, mas para voltar
pra onde quer que seja. Um peito aberto não é um peito vazio.
Passam pela nuca fios, sensos, metal, dedos, tateando com as
pontas teclados que não existem mas fazem música até encontrarem as costelas
justas na pele. Costuradas ali sem folga, uma a uma desenhando a sombra que as
velas fazem dançar na parede. A barriga abriga trilhas, segredos, borboletas,
umbigo, monstros e castelos com dragões. Desses que incomodam, acordam cedo,
fazem fumaça de cetim em lençol de nevoeiro no inverno. E sentem cócegas. Esses
bichos que não se pode precisar sequer a cor. Dragões são desiguais aos pares.
Não encontram posição no sofá.
Já os monstros são mais dados à contemplação. Encaram o
horizonte invés de atropelar. Deixam o sol plissar os cantos externos dos olhos
quando se põe.
Os monstros às vezes passam uma temporada nos lugares mais
altos. Habitam acima dos ombros, carregam tormentas nas mãos. Tormentas não são
prisioneiras. Ficam livres porque os temporais são necessários. Tanto quanto
brisas ou garoas. Não costumo combater os monstros. Nem sou favorável ao
extermínio. Vou revelar um segredo: sem monstros os sonhos não existem. O que
apavora aduba desejo e desejo é o combustível do sonho. Monstros desenham bem,
têm as patas delicadas para os traços finos – porém firmes – que os sonhos
exigem.
Da liberdade sou gaivota, prendo nas garras a areia molhada
da beira da praia. Pelas pernas, amêndoa. Onde avança o silêncio, recuo em mudo
vôo. As asas são folhas que abraçam quem amo como vento solto, sem rumo,
passageiro. Isento das cadeias ou correntes para ondular o mar e meus cabelos
da cor do fogo e do sol que dá adeus todas as tardes para invadir as janelas
pela manhã, tatuando no assoalho esculturas de sombras.
O sol que sai deixa lembretes nas estrelas.
Habita aqui uma harmonia concedida por Deus. Frases feitas,
notas de música para munir escudos de solidão. Corro com desculpas, as mesmas
que não peço. Fujo por mania. Desafio o fôlego. Os tornozelos doem mais a cada torção.
Esqueço mapas e horários, não peço instrução. Todos os oráculos são lacônicos,
assim nada estará condenado ao certo.
Só pode ter certeza quem conhece a dúvida. Há dúvida que é a
única certeza. Eu vivo e carrego uma coleção de "quases" nas costas.
Comentários
Bj
Mas hoje vou comentar a Foto:
UAU!!!