Eu nao sou daqui. Eu nao sou desse tempo. Eu não vivo nesta época de pessoas criadas para terem vergonha do amor. Eu não sou de um mundo que desdenha das palavras e da alma que se deposita nelas. O meu gesto não é virar as costas, é estender a mão.
Eu não sou desse tempo, mas eu não vim do passado. Eu faço parte de um futuro que eu mesma criei. Eu vim de um mundo onde se pode acreditar em alguém que diz o que quer. Lá ensinam a jogar limpo. Lá a gente aprende a ser sincero. Este é o mundo das caras quebradas, dos corações partidos, das almas farrapas, do riso amarelo, do olhar distante e do frangalho. Porque as pessoas de visão, criadas nesse futuro, vivem neste presente imundo. Aqui é a terra da insensibilidade.
- O que é isto no teu peito?
- Um calo. Serve pra bombear sangue.
- Um dia foi coração?
- Talvez, um dia seja.
E assim eu sou o que se chama de “uma besta”, por andar de olhos fechados, num caminho que se faz no próximo passo. Sem trilha. Volta e meia caindo em buracos cavados pela minha própria insensatez. Não faz diferença se é dia ou noite, aliás, não tem tempo, eu já disse que odeio cronologias e não uso relógio. Gritando xingamentos que ninguém vai ouvir, fazendo uma poesia que jamais vão ousar recitar, sobre dor, sobre ódio, sobre mágoa e desilusão. Pulando das pontes pra cair nos rios que eu não sei nadar.
A vida insiste em nos ensinar as lições que já decoramos e teimamos em não aprender. E a gente insiste em cultivar os mesmos erros. Mas isso é certo? Quem sabe, Alfie... quem sabe... Gravei um CD pra ti no sábado passado, Alfie. Com uma música só: sweet disposition. Muitos minutos sacrificados por alguns refrões. Sempre se pode plagiar uma bela melodia. Porque agora é Autumn.
Mas eu não desliguei o verão.
Eu tive um álbum de figurinhas da copa. Hoje eu coleciono cicatrizes e novos palavrões. Sempre me disseram pra não falar tudo que penso. Pois eu também não deveria dizer tudo o que sinto. Quem se importa levanta a mão. Ninguém? Ok. Já imaginava... é o que se chama de moderno, viver a vida profunda de um pires e criar raízes no vento. E o que é de verdade? E os planos que se traçam? Alguém? Alguém? Algum objetivo? Alguém? Alguém? E se eu não acordar? E se não houver nada de baixo dos meus pés?
É a água?
É abril?
É o pó?
Um sonho em voz alta.
Um momento.
Eu não quero mais procurar respostas pras perguntas que eu mesma faço. Eu não quero justificativas leves e histórias mal contadas. Eu odeio faz-de-conta. Jamais fui a princesa do alto da torre. Eu quero meu dragão de volta, aquele que fica na porta do umbigo que eu morava. Se a minha vida é um livro, este é o capítulo que o leitor mais afoito pula. Tem uma bifurcação no meu caminho e a escolha é quase um santo – mas eu nem sei mais se eu sou católica. E agora que eu sou muda? E o que muda? O que deveria mudar? E o que eu ganhei por ser assim?
Então me taxem, de novo. Coloquem em mim o rótulo que acharem bom, porque para mim ele não existe, não foi aqui que finquei minha bandeira. Não será aqui que levantarei meu castelo. Não é a minha piscina que está cheia de ratos. Cumplicidade? Confiança? Companheirismo? Hoje a minha metralhadora de mágoas está carregada demais. Meu hoje pode durar muito tempo, já disse que os meus olhos estão fechados e eu não uso relógio.
Trilha pra não dormir:
I was cryin' when I met you
Now I'm tryin to forget you
Your Love is sweet...
I was cryin' when I met you
Now I'm dyin' 'cause I let you
Do what you do down to, down to, down to, down to, down to
(aerosmith)
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