Coleciono desastres. É sério. Eu sou um desastre
pra um montão de coisas: dançar junto, fazer pudim, empinar pipa, acender
lareira e fazer surpresa. Eu entrego a surpresa antes do tempo. Não sei conter
a minha expectativa, apresso os resultados. Dizem que o apressado come cru,
pois eu sou tão apressada que sirvo cru pro outro comer. Não sei comprar
presente antes e esperar pra dar. Preciso esconder o pacote. Esconder de mim,
claro. Dou bandeira. Pergunto se prefere verde ou azul, sendo que eu já comprei
verde mesmo. Fico medindo a pessoa pra ver se vai servir. Não sei brincar de
quente e frio, já vou apontando logo: aqui é a Sibéria, pra lá é o Caribe.
Há anos minha irmã organizava as festas surpresa de aniversário pra mim. Cabia a mim exercitar a paciência, enrolando as horas pra chegar em casa a tempo de fingir que não sabia de nada,
vendo os balões e o bolo. Hoje ela organiza a própria festa e eu a surpreendo
invadindo. A data dos nossos aniversários tem diferença de uma semana, ela faz
dia 18, eu dia 25 de janeiro. É um jeito de economizar os parentes. Já que estão
ali, aceito parabéns – e presentes – antes de completar mais uma primavera.
Aliás, nunca entendi por que dizem isso. Mais uma primavera. Janeiro é verão,
bem verão. Completo mais uma de todas as estações.
Além da minha irmã, quem gosta de me fazer surpresas
é o destino. Sim, acredito em destino, mas não esse que está escrito e assim
será. Não. Acredito em ação e reação, num universo cheio de energias que vão confabulando
para construir tudo que acontece. A gente ajuda. E também atrapalha. Cada um
tem na ponta do nariz o condão de direcionar pra onde vai. O que vem depois é reação da escolha. Inclusive as coincidências.
Coincidências são improvisos do destino. Umas
brincadeiras de última hora, uns desaforos interessantes, sei lá. Mas olha que
interessante, são justamente as coincidências que aproximam as pessoas. Por
exemplo, Abrahan Lincoln e John Kennedy.
Os dois foram assassinados, o primeiro na sala Ford do Teatro Kennedy. O
segundo num carro Ford, modelo Lincoln. Mais que isso, uma semana antes da
morte, Lincoln estava em Monroe, Maryland. Kennedy, uma semana antes da morte
estava em Monroe, Marilyn (não preciso explicar, né?). Essas são as
curiosidades que eu lembro, mas eram várias que aproximam os dois.
Por muitas felizes coincidências, pessoas cruzam o
nosso caminho. Por um momentinho ou por uma eternidade, dividem o mesmo
destino. Pensar nisso dá um nó na lógica, mas ao mesmo tempo coloca umas
pecinhas no quebra-cabeça que é estar vivo. As coincidências exigem atenção, são
detalhes.
O destino não deixa bilhete na geladeira. Ele deixa vai escrever na sopa de letrinhas. Ou você está atento, ou come o recado.
O destino não deixa bilhete na geladeira. Ele deixa vai escrever na sopa de letrinhas. Ou você está atento, ou come o recado.
Então acontecem as surpresas.
Os quartos são separados por pedras irregulares, pra
cá da rua, par. Pra lá da rua, ímpar. Aliás, par ou ímpar? “O meu gato e o teu
cachorro fizeram parte da mesma novela”. Já foram no mesmo show. Já dividiram o
mesmo mar, a mesma areia, a mesma lua, o mesmo muro, uma garrafa de vinho tinto
e quem sabe alguns amigos.
Mas na noite que dividiram o mesmo travesseiro,
enrolando os cachos entre fronhas e lençóis, a maior surpresa foi descobrir que
usam a mesma escova de dente.
A dela, rosa. A dele, verde.
Eis um típico aniversário invadido por mim. Sou usurpadora de parabéns.
Não tem música. Tem Drummond.
Reverência ao destino
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras.
Difícil é segui-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.
Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.
Comentários
Sexta tem nosso almoço quero saber dessas escovas.
bj gui
Adoro esse texto do Drummond.
Uma ex minha dizia que isso era o ápice da intimidade...
Beijos