Meu filho exerce um fascínio sobre mim. Não me canso de estudar a anatomia dele, escutar a voz com a fala enrolada, corrigir os verbos e incentivar a não falar de si em terceira pessoa. Gosto das nossas brincadeiras e das nossas intimidades, do olhar cúmplice que temos. Mais que tudo, eu gosto de admirar a maneira como ele evolui. Ele testa os limites, arrisca, se impõem, teima, opina. Às vezes ele até me repreende. Eduardo tem uma personalidade doce e decidida. Com dois anos e oito meses já escolhe as próprias roupas, decide o que quer comer, o desenho preferido e o sabor do suco. Divide comigo uma centena de questionamentos. Nós somos muito bons juntos. Fico admirada com a visão que ele tem das coisas, as pequenas percepções e as grandes conclusões.
Uma vez, antes do almoço, minha mãe cortava batatas pra fazer a salada e suspirou. Imediatamente ele perguntou se ela estava muito cansada. A naturalidade da pergunta traduzia a simplicidade da constatação, a preocupação com o estado da avó que lhe tornou solícito. As nossas risadas não puderam ser contidas. Ele não se inibiu, riu junto.
Acredito que o Eduardo será um bom filósofo. Tem olhos grandes, é bom observador. Também é um tagarela!
Em casa, durante um almoço, Eduardo estava sentado no seu lugarzinho, brincando. O telefone da minha mãe tocou e ela levantou pra atender. Mais do que rápido, ele sentou no lugar dela, me olhando cor ar sapeca e dizendo: “Eu sou a vovó!”
Retruquei: “Não senhor, tu és o Duca. A vovó é aquela ali!”
Apontei pra onde estava minha mãe, ele nem olhou já lançou a réplica: “Eu sou a vovó aqui na mesa.”
Uma observação tão simples, porém carregada de sentido.
Ele estava certo. Ao mudar de lugar, sentar-se na cadeira que a minha mãe habitualmente ocupa, ele era a vovó ali na mesa. Mudou a perspectiva. Naquele momento, ele tinha as mesmas condições de percepção que ela. Via a mesa, a distribuição dos pratos, a organização das pessoas, tudo na mesma ótica que a minha mãe. Lógico que as conclusões que ele tirou disso, as opiniões que formou foram condizentes com a idade que tem e com a pequena bagagem que já carrega.
Ainda assim, por momentos, ele foi outra pessoa ali na mesa. Colocou-se em lugar diferente, teve a possibilidade de ver a mesma coisa por outro ângulo. Muitas vezes mudamos de identidade sem precisar mudar de cadeira. Queremos entender a posição de alguém, nos colocamos em seu lugar. Ou pedimos compreensão, que alguém se coloque no nosso lugar. Nada mais é do que ser alguém diferente, aqui ou ali. É possibilitar a ocupação de um lugar diferente para a análise do mesmo fato. Talvez Eduardo não compreenda ainda a imensidão de significado do seu ato. A inocente brincadeira com tanto de verdade se repetirá muitas vezes.
Esta possibilidade de colocar-se no lugar do outro é o que nos leva a aceitar a outra pessoa. Parece estranho, mas é bem assim. Nos apoderamos de uma perspectiva diferente da nossa para que possamos julgar, aceitar, concordar, condenar ou compreender a outra pessoa. Carl Rogers dizia que “É sempre altamente enriquecedor poder aceitar outra pessoa” e ele tinha razão. A aceitação amplia nossas possibilidades de opinião. Desfrutamos de lugares diferentes, variamos a percepção. Tudo é experiência.
Ser criança é maravilhoso. É permitido brincar com a experiência.
Comentários
Fotos lindas. Teu fido tá enorme e ainda mais lindo que tu.
P.S.: o Duca também escolhe o que ouve? E esse post? Não tem músiquinha?
beijos