Se eu tivesse que pedir algum conselho amoroso, jamais pediria pra mim. Opto com muita frequencia pelos riscos, por avançar os limites do que apenas parece ser. Prefiro testar, não sei, sou da opinião que é válido o que faz o coração bater ou parar. Mais parar do que bater. Aliás, sou a favor do que consegue parar tudo. Ponteiros do relógio paralíticos, pessoas brincando de estátua, paisagem pintada em escala de cinza, nada mais existe além de um número: dois. Olhando bem, um. Mas são dois. Dois, inteiros, completos, únicos no mundo que tiveram a insensata felicidade de se encontrar – ultimamente ando reparando na felicidade, ela é insensata, outra hora eu explico o porquê, preciso falar sobre conselhos e óculos.
Sem entrar em detalhes sobre os personagens da história, peço licença a toda a literatura de qualidade para iniciar o relato da forma mais clichê que consigo: Noite dessas um amigo me procurou. Queria conselho amoroso. Estava sentado em um muro, pra lá namoro, pra cá, a solteirice. O que ele queria? Namorar. Por que não namorava? Porque acreditava que a pretendente era, nas palavras dele, encrenca. Não conversamos um suspiro sobre os motivos dela ser ou não encrenca. O que meu amigo queria não era bem um conselho. Queria me usar de óculos.
Para as questões que já sabemos as respostas, óculos. É a prova real da certeza, melhor de três, escolha por maioria de votos. Ao perguntar o que o outro acha, já sabemos o que é. Precisamos da concordância, do aval. Fazemos empréstimos dos argumentos. É como pegar livro na biblioteca.
O fato da pretendente em questão ser encrenca, já estava diagnosticado. Sabemos o que as coisas são por seus contornos. Identificamos o cheiro, onde estão, o que fazem, que cor têm. Sabemos o que é ainda que não seja perfeitamente nítido. Sabemos o que é quando a certeza do equívoco é menor do que a certeza da certeza. Mas a gente tem astigmatismo da verdade, enxergamos fora de foco e distorcido o que já sabemos que é. Usamos o outro como óculos. São nossas lentes tóricas. Nossos óculos permitirão a concordância com o que narramos, não a certeza, essa já existia.
Quanto ao fato de ser encrenca, não justifica descartar a pessoa. Boas encrencas rendem boas histórias. Passados não podem condenar futuros quando o assunto é relacionamento***. Há riscos. E eu acho os riscos muito tentadores... Talvez desafiar a razão seja a melhor pedida. Talvez desequilibrar a balança pro outro lado possa valer a pena. Eu sei que ninguém mais quer brincar de namorar. Sei que ninguém mais quer levar a vida amorosa como quem empina pipa, conforme sopra o vento. Somos todos conscientes disso, não?!
Mas o que se perde? Umas noites de sono, umas fronhas de travesseiro, umas garrafas de vinho. Ouvir “eu te avisei”de alguém que tenha avisado vai fazer eco no ouvido tanto tempo quanto doerá a queda. Mais uma cicatriz, mais um band-aid emocional. Mais porquês sem resposta. Isso se houver a queda. Só cai quem sobe e só sobe quem quer arriscar. Arrisca quem está vivo. Respirar já é arriscado.
Ainda não encontrei amores enlatados, com indicação de consumo e quantidade de calorias. Se for light, então, nem quero! O amor é improvável. Partindo daqui, qualquer risco está justificado. A próxima jogada é exercitar a sinceridade. Assuma o medo, ele existe e é seu. Mas não deixe que ele cochiche no ouvido o que deve fazer. O medo é prático e patético. Amigo perfeito da preguiça.
Estamos tão mergulhados na ideia de encontrar a pessoa certa que não percebemos que nem nós somos a pessoa certa. Existe a relação certa, com alegrias, tristezas, frustrações e desmedidos amores inclusos no pacote. O encontro certo. Toda a encrenca tem direito ao amor! Às vezes tudo que uma boa encrenca quer é alguém disposto a fazer confusão junto. Alguém disposto a errar junto, pra depois rir junto e aprender junto. Alguém disposto a estar junto, esta é a grande raridade. É monótono estar sempre certo. É triste estar certo separado.
Um voto a favor da encrenca.
Foto fora de foco, mas sou eu! Nem precisa de óculos...
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Encrenca é calar o coração.
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Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
"inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Comentários
Amo vc!
Bjo do gordo congelado
Então tá! Também vou de clichê! Não só no Amor como na Vida, se não arriscar não se Vive nem se Ama!!! Porque é arriscando que se aprende a cair... Mais ou menos como andar de bicicleta ou de a cavalo (é asim mesmo que se diz no Rio Grande). Só não cai quem não monta!
Foto fora de foco, mas com direito a Olhão, Bocão e às duas Covinhas? Ah! Sai fora, Beto! E quem não é Fascinado por esta Encrenqueira??? LINDA!!