Na casa antiga da minha avó, logo depois do muro baixinho, tinha um jardim de rosas. As roseiras eram maiores do que eu. Maiores que o muro. Quem passava pela calçada conseguia vê-las e, esticando a mão, tocá-las. Eu lembro que adorava ficar sentada na frente das roseiras, incomodando as formigas. As rosas floresciam gigantescas, em maioria, vermelhas, outras brancas . Havia apenas uma amarela, minha favorita. Elas recebiam quem entrava pelo portão antes de qualquer um da casa, eram educadas.
A minha casa também tem rosas no portão de entrada, como na casa velha da minha avó. Foi minha mãe quem as plantou. Eu queria gerânios, ela nem me deu ouvidos, plantou as mudas enfileiradas com a ajuda do meu pai. Um pelotão inteiro, perfilado e sentido. São mais sortidas do que as da minha avó, mas igualmente gigantescas. Quando uma resolve florescer, as demais ficam com ciúmes e chovem botões que depois desabrocham. Um dos pés conseguiu dar duas flores de cor diferente, nessas horas eu queria ter feito biologia pra conversar com as roseiras impondo autoridade, explicar que cada pé deve ter uma cor, pra não quebrar a harmonia da fachada. Mas elas insistem no carnaval. E não me dão a menor satisfação. As rosas não falam, já constatou Cartola! O que não quer dizer que suas pequenas rebeldias não sejam notadas... Por mim, adoradora de manias, rebeldias e porcarias, são.
Um dia desses, saindo de casa, percebi que as rosas vermelhas resolveram colocar as flores pra fora, todas de uma só vez. Havia umas cinco. Ou seis. Era um montão! Antes que alguém passasse pela rua e as carregasse, foram parar dentro de casa, num vaso de cristal cuidadosamente servido no aparador em frente à porta de entrada. Agora as rosas recebem as pessoas assim, de dentro de casa para não serem afanadas por estranhos.
Perdeu-se o romantismo.
Quando os símbolos são profanados, os significados já não têm mais a mesma importância. As rosas estão para o romantismo assim como a cruz está para o catolicismo. São objetos de adoração. Uma mulher que recebe rosas do amado, admira por dias as flores, até murcharem as pétalas e só restarem espinhos. Como um amor findo, as rosas se transformam em lembranças e espinhos. Se há uma briga, as rosas vão para o lixo, como se aquilo ofendesse a alma de quem as deu. É um símbolo. Exibir um buquê equivale a uma fotografia do casal em um final de semana apaixonado, porém, com galhos e folhas. Contar por que ganhou ou que ganhou sem motivo – o que é tido por muitos como indício de traição – é o mesmo que relatar o que se passa entre os lençóis. Há quem pense que rosa é afrodisíaco, deixa mais curto o corredor entre a sala e a cama.
Mas tudo isso virou bobagem, não se pode mais pedir que se escreva um poema. Já não se exige a ligação imotivada no meio da tarde pra dizer eu te amo. O bilhete na geladeira não é uma jura de amor eterno e sim uma lista de compras. Nada de dividir o saquinho de pipoca, saco é o que se procura pra encher de paciência. Um carinho sem razão antecede algum pedido absurdo ou uma confissão tenebrosa.
No meu jardim, terei gerânios. Não permitirei o fim do romantismo nas minhas dependências! E nunca conheci um usurpador de gerânios.
E feliz aniversário pra mim, que tenho mania de trança. Mas isso ficará prum próximo post!
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